RESUMO: Este artigo analisa como a evolução dos modelos de Estado impactaram os direitos fundamentais. Assim, com base na pesquisa bibliográfica, por dedução, investigou-se os direitos fundamentais nas diferentes fases do constitucionalismo. Demonstrou-se que o Novo Constitucionalismo Latino-Americano refunda a teoria constitucional clássica afastando-se das propostas totalizantes e se aproximando de uma compreensão da realidade caracterizada pela plurinacionalidade e por uma relação harmoniosa com a natureza. Desse modo, se reconhece a cosmovisão indígena, o que resulta na concepção dos Direitos da Natureza. O meio ambiente deixa de ser visto como objeto de direito e passa a ser considerado sujeito de direitos. A partir dessa análise, conclui-se que a contribuição daqueles que vivenciam a realidade ecológica diretamente é fundamental para enfrentar a atual crise socioambiental.
Palavras-chave: Direitos da Natureza. Estado de Direito. Novo Constitucionalismo Latino-Americano.
RESUMEN: Este artículo analiza cómo la evolución de los modelos de Estado impactó en los derechos fundamentales. Así, a partir de investigaciones bibliográficas, por deducción, se indagó sobre los derechos fundamentales en las diferentes etapas del constitucionalismo. Se ha demostrado que el Nuevo Constitucionalismo Latinoamericano refunda la teoría constitucional clásica, alejándose de propuestas totalizadoras y acercándose a una comprensión de la realidad caracterizada por la plurinacionalidad y la relación armoniosa con la naturaleza. De esta manera se reconoce la cosmovisión indígena, que resulta en la concepción de los Derechos de la Naturaleza. El medio ambiente ya no es visto como un objeto de derecho y ahora es considerado un sujeto de derechos. De este análisis se concluye que el aporte de quienes viven directamente la realidad ecológica es fundamental para enfrentar la actual crisis socioambiental.
Palabras clave: Derechos de la Naturaleza. Estado de Derecho. Nuevo Constitucionalismo Latinoamericano.
ABSTRACT: This article analyzes how the evolution of State models has impacted fundamental rights. Through bibliographic research, by deduction, fundamental rights were investigated in the different phases of constitutionalism. It has been shown that the New Latin American Constitutionalism refounds the classical constitutional theory, moving away from totalizing proposals and approaching an understanding of reality characterized by plurinationality and a harmonious relationship with nature. In this way, the indigenous cosmovision is recognized, which results in the conception of the Rights of Nature. The environment is no longer seen as an object of law and is now considered a subject of rights. From this analysis, it is concluded that the contribution of those who directly experience the ecological reality is fundamental to face the current socio-environmental crisis.
Keywords: Rights of Nature. Legal State. New Latin American Constitutionalism.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo abordar a progressiva relevância da temática socioambiental a partir das lentes do constitucionalismo e da teoria dos direitos fundamentais na construção do Novo Constitucionalismo Latino-Americano.
O constitucionalismo é a designação atribuída ao movimento social, político e jurídico que dá origem às constituições nacionais e cria as normas fundamentais do sistema jurídico de um Estado. Os direitos fundamentais são imprescindíveis para a existência do constitucionalismo. A própria origem do Estado está associada à garantia e preservação desses direitos.
O constante processo de evolução das sociedades e seus reflexos no constitucionalismo impõem a necessidade de uma constante reformulação da teoria dos direitos fundamentais para adequá-la às aspirações e interesses sociais de cada época.
Em seguida, constatou-se que atualmente as empresas transnacionais, impulsionadas pela globalização, promovem violações de direitos e degradação ambiental ao transferir suas atividades mais perigosas ou prejudiciais para regiões com legislações ambientais e trabalhistas mais brandas, como os países da América Latina. Em consequência, houve a aceleração da atual crise socioambiental.
Essa realidade demandou do continente uma reformulação original do constitucionalismo ao valorizar populações anteriormente excluídas. Observar-se-á que o novo constitucionalismo gestado na América Latina rompe com o clássico constitucionalismo eurocêntrico e estabelece mecanismos interculturais e descoloniais. Com isso, ampliam-se as formas de participação democrática e se reconhece uma multiplicidade de grupos sociais antes marginalizados. Essa configuração tem como principal influência a cosmovisão indígena.
Nesse sentido, a cosmovisão indígena permite uma compreensão da Mãe-Terra (Pachamama), onde a vida se reproduz e se realiza, reconhece o valor intrínseco da natureza e promove uma visão ecocêntrica. Além disso, ela traz o conceito do Bem-Viver (Sumak Kawsay), que representa uma nova lógica de interação com a natureza em termos de produção e desenvolvimento.
O Novo Constitucionalismo, dessa forma, enfatiza a proteção de novos sujeitos de direito, o que possibilita maior cooperação internacional e fortalece o Direito Ambiental. Em suma, a experiência latino-americana de promoção dos Direitos da Natureza incita uma nova forma de proteção do equilíbrio ecológico e do meio ambiente como um todo.
Diante disso, este trabalho apresenta-se a partir dos seguintes pontos: 1) O constitucionalismo e os direitos fundamentais; 2) A globalização econômica e a crise ambiental; e 3) O Novo Constitucionalismo Latino-Americano e os Direitos da Natureza.
A metodologia empregada foi a pesquisa bibliográfica, a exemplo de Bobbio, Sarlet, Acosta e Milton Santos, entre outros. Utilizou-se do método dedutivo para, partindo das premissas do constitucionalismo e dos direitos fundamentais, analisar a emergência do Novo Constitucionalismo Latino-Americano e dos Direitos da Natureza.
2 O CONSTITUCIONALISMO E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS
O constitucionalismo moderno é um fenômeno histórico que se desenvolveu em paralelo à ascensão dos Estados nacionais e às lutas por liberdade e igualdade dos indivíduos. Esse movimento constitucionalista assentou as bases para a organização e funcionamento dos Estados-nações no ocidente e surgiu na alvorada da Idade Moderna, nos séculos XVII e XVIII, em contraposição ao regime absolutista e as monarquias. Buscavam estabelecer um conjunto de princípios e normas que limitassem o poder estatal e garantissem os direitos fundamentais dos indivíduos (Sarlet, 2011).
Esse período foi marcado pela crescente insatisfação com os abusos do Estado absolutista e pela emergência de novas ideias jurídicas, políticas e filosóficas. Nesse contexto, A Revolução Inglesa de 1688 e a Revolução Americana de 1776 foram marcos cruciais que resultaram na criação de constituições escritas e na consolidação de princípios constitucionais, como a separação dos poderes e o governo limitado (Horta, 1998). Posteriormente, a Revolução Francesa de 1789 promoveu a consagração dos direitos fundamentais e a proclamação da igualdade como princípio fundamental (Bobbio, 1997).
O termo “direitos fundamentais”, segundo Sarlet (2011, p. 33), aplica-se aos direitos reconhecidos e positivados no âmbito do direito constitucional de um determinado Estado. No âmbito do direito internacional são denominados como “direitos humanos”. Portanto, o constitucionalismo está intrinsecamente associado aos direitos fundamentais. A própria origem do Estado de Direito está vinculada ao resguardo de tais direitos.
Seguindo essa linha, Salgado (1986) realça que os direitos fundamentais são a base de todos os outros direitos. Eles são fundamentais, pois fornecem o alicerce para os demais direitos. Bobbio (1997) destaca ainda o caráter dinâmico dos direitos fundamentais, já que são produto de um processo histórico intricado.
Os direitos fundamentais devem ser vistos como conquistas históricas, frutos de uma evolução adquirida socialmente. Dessa forma, a mutabilidade e historicidade do constante processo de evolução da sociedade e suas implicações no constitucionalismo impõem uma reformulação frequente da teoria dos direitos fundamentais para adaptá-la às demandas e interesses da sociedade (Fracaro; Zanatta, 2018).
Em consequência da riqueza e expansão desses direitos, surgiram as categorizações dos direitos fundamentais em diferentes gerações ou dimensões. De suma importância será notar que o surgimento de novas dimensões não levou à extinção das anteriores, mas sim configurou um processo progressivo e complementar de coexistência desses direitos (Brega Filho, 2003).
2.1 Constitucionalismo moderno: direitos de primeira e segunda dimensão
Os direitos fundamentais, juntamente com o Estado de Direito, representam a espinha dorsal do paradigma constitucional moderno (Stigert; Junior, 2011). Destaca-se que esses direitos não são imutáveis nem estão fundamentados em elementos metafísicos. São, pois, produtos históricos que surgiram como resultado de lutas travadas ao longo do tempo, na busca pela afirmação da dignidade humana (Galuppo, 2003).
Consequentemente, o conceito de Estado tem passado por sucessivas reestruturações, visando atender às demandas e aspirações de seus cidadãos. Cada época reflete, portanto, uma configuração específica da prática jurídica, ligada às necessidades humanas e às dinâmicas das relações sociais (Kalil; Ferreira, 2017) .
Nesse sentido, a formação do Estado Liberal de Direito, ligado às revoluções liberais anteriormente mencionadas, ocorridas na Europa e América do Norte nos séculos XVII e XVIII, resultou na concepção das primeiras constituições escritas. Essas constituições foram elaboradas sob uma perspectiva essencialmente liberal, com o objetivo de estruturar o Estado, restringir o exercício do poder e estabelecer direitos e garantias individuais (Sarlet, 2011).
O advento do Estado Liberal, nessa conjuntura, marca a ascensão da burguesia capitalista e a decadência da nobreza feudal e da realeza absolutista. No antigo regime, o monarca dispunha de poderes absolutos. À vista disso, o novo regime burguês via o Estado “como opressor, como aquele que impedia o desenvolvimento da humanidade” (Fracaro; Zanatta, 2018, p. 4).
A literal decapitação da monarquia absolutista, e do soberano, implicou uma nova noção de soberania, assim como um novo contrato entre cidadãos e instituições. Isto é evidente se pensarmos na frase de Luís XIV “o Estado sou eu”. De fato, fala-se do Estado que surgiu da Revolução como Estado burguês, já que será este grupo social o que conseguirá ocupar o poder político e, portanto, o reestruturará de maneira que responda às suas necessidades e aos seus interesses (Font; Rufi, 2006, p. 97).
Assim, o Estado Liberal concebe os direitos de primeira geração, definido por Wolkmer (2012, p. 15) apud Kalil e Ferreira (2017, p. 336), “como manifestação do ideário jusnaturalista secularizado, do racionalismo iluminista, do contratualismo societário, do liberalismo individualista e do capitalismo concorrencial”.
Identifica-se, nessa oportunidade, uma separação entre Estado e Sociedade, na qual esta exige daquele apenas uma abstenção, ou seja, uma obrigação negativa, visando à não interferência na liberdade dos indivíduos. Então, nesse momento histórico, o Estado era tomado como “violador dos direitos fundamentais”, o que configurava a feição defensiva dos direitos liberais. Nesse contexto, assumem especial importância, no rol desses direitos, os direitos à vida, à liberdade e à propriedade, assim como aos direitos civis e políticos, que têm como titular o indivíduo [...] (Kalil; Ferreira, 2017, p. 336).
Entretanto, na virada do século XIX para o XX, com o impacto da industrialização, o Estado Liberal apresenta de maneira mais evidente suas contradições e começa a ser questionado em face do quadro alarmante de desigualdade e exploração social. A concentração de capital e poder por parte da classe burguesa era feita às custas da degradação da qualidade de vida da maioria da população, que mantinham-se na condição de oprimidos (Engels; Marx, 2001).
Percebeu-se que a mera consagração formal dos direitos fundamentais não assegurava sua efetiva realização (Sarlet, 2011). A ação negativa de não intervenção do Estado na vida pública, defendida pelos liberais, baseados na ideia de autorregulação do mercado e da sociedade, contribuía para o aprofundamento dessas desigualdades sociais.
Exigia-se do Estado, doravante, uma ação positiva, na qual os direitos fundamentais seriam contemplados por meio da intervenção estatal. Sendo assim, o Estado Social de Direito surge com objetivo de realizar políticas públicas que garantissem condições mínimas de vida para a população (Bobbio, 1997).
Consequentemente, são promovidos os direitos de segunda dimensão, como o direito à saúde, à educação, à greve, à moradia e ao lazer (Kalil; Ferreira, 2017, p. 337). Desse modo, ao ultrapassarem as liberdades formais abstratas, esses direitos passam a assumir uma dimensão de liberdades materiais concretas (Sarlet, 2011).
Cabe ressaltar que o Estado Social de Direito complementa o constitucionalismo originado pelo Estado Liberal de Direito ao incorporar elementos programáticos nos textos constitucionais. Isso implica na inclusão explícita das normas relacionadas aos direitos sociais e econômicos, estabelecendo princípios e regulamentações para a organização social (Fracaro; Zanatta, 2018).
Todavia, como assinalam Kalil e Ferreira (2017, p. 337), tanto o Estado Liberal quanto o Estado Social, apesar de possuírem premissas diferentes, compartilhavam da mesma doutrina em relação ao valor do desenvolvimento científico e ao domínio da natureza pelo ser humano, assim como a crença da inexauribilidade dos recursos naturais. Como resultado, ambos os modelos contribuíram para a degradação ambiental e persistência da pobreza entre nós.
2.2 Constitucionalismo contemporâneo: direitos de terceira dimensão
Após o término da Segunda Guerra Mundial, o modelo de Estado moderno passa a ser contestado, juntamente com os horrores cometidos nos campos de concentração nazistas e com as explosões das bombas nucleares em Hiroshima e Nagasaki. O impacto desse retrocesso civilizatório tido na primeira metade do século XX suscitou uma expansão da consciência humanística.
Nesse cenário, floresce o constitucionalismo ocidental contemporâneo, cujo projeto político-jurídico “visa atualizar o Estado de Direito, pois pretende transcender o ideário do Estado Liberal de Direito e do Estado Social de Direito para construir e aprimorar, com efetiva participação da sociedade e dos indivíduos, o Estado Democrático-Constitucional [...]” (Costa; Reis; Oliveira, 2016, p. 61).
Nessa acepção, Bonavides aponta que:
um novo polo jurídico de alforria do homem se acrescenta historicamente aos da liberdade e igualdade. Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos de terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta (2011, p.569).
A terceira dimensão de direitos fundamentais tem como princípio a fraternidade, visando superar um modelo econômico predatório que explora tanto os seres humanos quanto a natureza. Essa transcendência abrange a humanidade como um todo, requerendo ações positivas e negativas, não apenas do Estado, mas também da sociedade como um todo (Costa; Reis; Oliveira, 2016, p. 61).
Entre os direitos de terceira dimensão destacam-se o direito à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento sustentável e ao meio ambiente (Kalil; Ferreira, 2017, p. 338). A distinção dessa dimensão de direitos está em sua natureza difusa, de titularidade coletiva, enquanto os direitos de primeira e segunda dimensões se reportam ao indivíduo.
O constitucionalismo contemporâneo persegue a efetivação dos direitos fundamentais na prática, sendo essencial que esses direitos sejam concretizados no cotidiano da sociedade (Costa; Reis; Oliveira, 2016). Contudo, hodiernamente, o extraordinário avanço das ciências e das técnicas, impulsionado pela globalização econômica, enfraquecem os Estados e põem em xeque a promessa de concretização dos direitos fundamentais (Stigert; Junior, 2011).
Ademais, a ameaça crescente de um desequilíbrio ecológico global aponta para um cenário catastrófico que coloca em risco a própria sobrevivência da humanidade (Löwy, 2021). Exige-se, portanto, do Estado de Direito e do constitucionalismo uma nova adaptação e reestruturação perante essas transformações socioambientais intensificadas pela globalização econômica.
3 GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA E A CRISE AMBIENTAL: O CASO LATINO-AMERICANO
Antes de abordar mais especificamente o Novo Constitucionalismo Latino Americano e os Direitos da Natureza, é preciso aprofundar a análise da realidade histórica a qual estamos inseridos, especialmente na América Latina.
O fim da Guerra Fria e a dissolução do bloco soviético retirou a “cortina de ferro” que dividia o mundo entre capitalistas e socialistas. Dessa forma, o capitalismo se expandiu pelo globo, tornando-se modelo hegemônico. As novas tecnologias de informação e transporte foram fundamentais nesse processo ao conectar as diferentes regiões do mundo para facilitar a circulação de mercadorias, informações e capitais. (Font; Rufi, 2006).
Esse fenômeno, chamado de globalização, materializa-se como o atual paradigma do terceiro milênio. Manuel Castells argumenta que estamos diante de uma nova era, a da informação. As novas técnicas permitem que “a economia informacional seja global, não apenas mundial, já que atua como uma unidade em tempo real e em escala planetária” (Castells, 1998, p. 119).
O estabelecimento de uma economia global possibilitou a fragmentação da produção pelas empresas (transnacionalização). Assim, a extração de matérias-primas, a produção e a distribuição de bens e serviços deixam de se concentrar em apenas um país (Santos, 2008).
Dessa forma, as empresas transnacionais – aqui entendida como entidade não centralizada, composta por uma rede de produção estabelecida em vários Estados, cujas ações estão interligadas por uma racionalidade econômica interdependente – tornaram-se os principais atores dessa nova conjuntura (Olsen; Pamplona, 2019).
Esse novo modelo exigiu dos Estados uma abertura quase total dos seus mercados financeiros e se explica pela demanda, por parte das empresas, de ampliar os mercados e diminuir os custos de produção.
Nessa nova conjuntura, as empresas precisam se localizar – ou o que de forma imprecisa se denomina “deslocalizar” – onde seja mais conveniente para elas, e fazer fluir o capital sem pedágios políticos, sem fronteiras. Há exemplos em abundância. A empresa de eletrônicos holandesa Phillips dispõe atualmente de mais trabalhadores na China do que nos Países Baixos. Basta observar o made in de um computador pessoal da IBM para constatar sua origem variada: nele se encontram componentes norte-americanos, taiwaneses, chineses, irlandeses, etc., apesar de a empresa em seu conjunto continuar a ser um dos símbolos dos Estados Unidos [...] (Font; Rufi, 2006, p. 108).
Ao se tornarem transnacionais, as empresas globais, escapam do controle dos Estados, restrito apenas ao seu território, possibilitando ações sem responsabilidade socioambiental. Dessa maneira, o humanismo como motor do desenvolvimento e do progresso foi substituído pelo modelo do consumo. Logo, segundo Milton Santos (2008), a política passa a ser feita pelas empresas globais, subjugando a política estatal.
O acúmulo de capital e poder alcançado pelas empresas globais é espantoso. Piovesan (2005, p. 66) nos lembra que “das cem maiores economias mundiais, 51 são empresas multinacionais e 49 são Estados nacionais”.
Nesse espectro, a falta de centros regulatórios capazes de controlar a racionalidade do lucro tem gerado efeitos nefastos para os direitos humanos. Diversas corporações sediadas na Europa e na América do Norte deslocam sua produção mais agressiva em termos socioambientais para Estados do Hemisfério Sul em busca de vantagens decorrentes da vulnerabilidade econômica e fiscalização mais frouxas em caso de potencial violação aos direitos humanos (Olsen; Pamplona, 2019, p. 131).
Os países da América Latina estão particularmente vulneráveis à influência dessas grandes corporações, devido a fatores sociais, políticos, econômicos e jurídicos. Dessa forma, as empresas transnacionais se instalam nesses países prometendo criação de empregos, desenvolvimento econômico e a expansão das opções de mercado, porém, sua atuação também traz consequências indesejáveis, como a alteração profunda das relações sociais, o aumento das desigualdades e uma intensa degradação ambiental (Olsen; Pamplona, 2019).
Portanto, a globalização provoca um cenário que facilita a exploração econômica de comunidades em países com deficiências jurídicas, sociais e políticas por parte de empresas transnacionais. A dispersão das cadeias de produção, para Olsen e Pamplona (2019), dificulta a responsabilização das empresas que se beneficiam diretamente, lucrando com violações dos direitos humanos e agressões ambientais não combatidas devidamente.
Esse modelo de produção e consumo em escala planetária está provocando alterações climáticas, destruição de ecossistemas e perda de biodiversidade. Os efeitos dessa crise ambiental afetam de sobremaneira os países da América Latina, pois disparam as migrações, a destruição dos meios de subsistência, enfraquece o desenvolvimento e intensifica as disparidades sociais (Jacobi et al., 2011).
A persistente crise ambiental, social e econômica na América Latina, intensificada pela globalização, demandou deste continente uma resposta: o Novo Constitucionalismo Latino-Americano.
4 O NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO-AMERICANO E OS DIREITOS DA NATUREZA
Descolonizar é pensar o mundo e fazê-lo de um ponto de vista próprio. A proposta do Novo Constitucionalismo, gestado em países da América Latina, visa justamente romper com o colonialidade, representando uma mudança de paradigma na teoria constitucional contemporânea.
Barbosa e Teixeira (2017, p. 1116) ressaltam que a colonialidade é uma característica fundamental da modernidade ocidental e deve se diferenciar do colonialismo. O colonialismo refere-se a um padrão de dominação e exploração em que o controle político, os recursos de produção e o trabalho das populações dominadas são exercidos por poderes centrais distintos. O colonialismo manifestou-se com a invasão e dominação do continente americano pelas potências europeias, entre os séculos XVI e XIX.
Já a colonialidade é um fenômeno histórico que persiste até os dias atuais, mesmo com a independência dos territórios colonizados. Ela se refere a um padrão de poder que opera por meio da naturalização de hierarquias territoriais, raciais, culturais e epistêmicas. Essas hierarquias, por sua vez, possibilitam a reprodução de relações de dominação, que permitem não apenas a exploração global do capital humano, mas também inferiorizam conhecimentos, experiências e formas e vida de determinados grupos.
A história da América Latina é marcada por diversos momentos de desigualdade, especialmente durante o processo de construção das instituições de poder. Essas instituições, em sua maioria, foram moldadas por concepções elitistas e coloniais, o que resultou na marginalização das minorias sociais em cada Estado (Barbosa; Teixeira, 2017).
Ferreira, Libertino e Vinicius (2022) enfatizam que ao chegar nos países latino-americanos, a teoria do Poder Constituinte não sofreu alterações em relação àquelas pensadas na Europa, tanto em termos teóricos quanto práticos. Vejam:
Com isso, as cartas magnas dos países sul-americanos, em grande parte, foram baseadas em outras constituições marcadamente elitista, privilegiando as classes possuidoras do poder econômico-político e por vertentes culturalmente monolítica e excludente, subordinando e até discriminando as concepções não eurocêntricas, positivando constituições com fragmentos bruscamente diferentes da realidade e da cultura dos povos tradicionais latino-americanos e das demais minorias de cada Estado (Ferreira; Libertino; Vinicius, 2022, p. 47).
Constatava-se uma discrepância entre o texto constitucional e a realidade social, gerando problemas de legitimidade. O Novo Constitucionalismo é, portanto, uma resposta ao período de hegemonia do constitucionalismo europeu e norte-americano. Baseia-se na recuperação de um poder constituinte democrático, priorizando a participação democrática e a emancipação popular. (Pastor; Dalmau, 2019).
Nesse sentido, o Novo Constitucionalismo adquire características próprias e rompe com as facetas de uma teoria jurídica importada. Apresenta uma nova visão sobre os direitos fundamentais e a organização estatal, aspirando atender às necessidades dos segmentos sociais majoritários, como os povos indígenas, populações afro-americanas, camponeses e organizações urbanas.
Esse movimento busca, então, estabelecer uma relação mais igualitária entre o Estado e os sujeitos coletivos, valorizando suas identidades, reconhecendo sua diversidade e promovendo a pluralidade jurídica (Barbosa; Teixeira, 2017).
Para Brandão (2013, p. 137), existem três pontos que definem o Novo Constitucionalismo, sendo:
i) o estabelecimento de uma nova relação entre democracia e Constitucionalismo, com intensificação da participação popular; ii) a criação de mecanismos interculturais e descoloniais, principalmente, a partir da contribuição dos povos indígenas; iii) a intervenção do Estado e da cidadania na economia, afastando-se do paradigma eurocêntrico de desenvolvimento, pois visa uma nova relação com o meio ambiente.
Essas inovações constitucionais valorizam saberes subalternizados, sendo espaços de poder relevantes para os povos indígenas expressarem sua cosmovisão sobre o mundo e a natureza, oferecendo alternativas às crises da modernidade (Wolkmer; Kyrillos, 2015). A cosmovisão indígena incorporada na Constituição equatoriana, por exemplo, reconhece o Bem-Viver e os Direitos da Natureza, situação esta que impõe mudanças na interpretação e na prática jurídica.
4.1 Direitos da Natureza: o meio ambiente visto pelos “excluídos”
O constitucionalismo latino-americano redefine o papel do ser humano como objeto de tutela jurídica, trazendo uma dimensão ampliada e original. Enquanto o constitucionalismo eurocêntrico valoriza o ser humano com base na sua dignidade, o Novo Constitucionalismo incorpora elementos que enxergam o ser humano como parte integrante de um todo, centrando as referências no Bem-Viver e nas relações harmoniosas com a natureza (Barbosa; Teixeira, 2017).
Nesse contexto, os Direitos da Natureza emergem como uma abordagem inovadora, fundamentada na premissa de que o ambiente natural possui direitos intrínsecos, independentemente do seu valor utilitário para os seres humanos. Essa abordagem rompe com a visão antropocêntrica dominante, que considera a natureza apenas como recurso a ser explorado, e estabelece uma nova relação de respeito com o meio ambiente (Acosta, 2016).
O Equador (2008) e a Bolívia (2009) foram os primeiros Estados a reconhecer os Direitos da Natureza em seus textos constitucionais, estabelecendo um marco legal para proteção ambiental sustentada nos princípios de solidariedade, reciprocidade e interdependência entre os seres humanos e o meio ambiente (Ferreira; Libertino; Vinicius, 2022).
A Constituição da República do Equador, por exemplo, eleva a Natureza como sujeito de direitos em seu Capítulo Sétimo, assegurando-lhe “o direito de ser restaurada quando for destruída”:
Artigo 71 - Natureza ou Pachamama, onde se reproduz e se realiza a vida, tem direito que se respeite integralmente a sua existência e a manutenção e regeneração dos seus ciclos vitais, estrutura, funções e processos evolutivos. Toda pessoa, comunidade, povo ou nacionalidade poderá exigir da autoridade pública o cumprimento dos direitos da natureza [...]. O Estado irá incentivar as pessoas físicas e jurídicas, e a coletividade, para proteger a natureza e promover o respeito a todos os elementos que formam um ecossistema.
Artigo 72 - A natureza tem direito a restauração. Esta restauração será independente da obrigação que tem o Estado e pessoas físicas ou jurídicas em indenizar os indivíduos e grupos que dependem de sistemas naturais afetados. Em casos de impacto ambiental grave ou permanente, incluindo os relacionados com a exploração de recursos naturais não renováveis, o Estado vai estabelecer mecanismos mais eficazes para alcançar a restauração, e adotará medidas adequadas para eliminar ou mitigar as consequências ambientais nocivas.
Artigo 73 - O Estado aplicará medidas de precaução e restrição de atividades que podem levar à extinção de espécies, destruição de ecossistemas ou a alteração permanente de ciclos naturais. Proíbe-se a introdução de organismos e materiais orgânicos que podem vir a alterar o patrimônio genético nacional.
Artigo 74 - As pessoas, comunidades, povos, nações têm o direito de beneficiar-se do meio ambiente e recursos naturais que lhes permitem viver bem. Os serviços ambientais não serão suscetíveis de apropriação, sua produção, prestação, uso e aproveitamento será regulado pelo Estado (Equador, 2011, tradução nossa).
Nesse ponto, cabe retomar o pensamento de Milton Santos (2008) ao destacar a diversidade criativa das localidades (horizontalidades) em oposição uniformização empobrecedora da globalização (verticalidades). Ele propõe que a riqueza dos modos de vida dos “excluídos”, como os povos indígenas da América Latina, são a semente para a criação de um mundo mais solidário.
Atualmente, o processo de globalização promove a homogeneização dos territórios e das ideologias para facilitar a produção e a circulação de mercadorias em escala planetária, constituindo as “verticalidades”.
O autor define as verticalidades como “um conjunto de pontos formando um espaço de fluxos [...] adequados às tarefas produtivas hegemônicas” (Santos, 2008, p.105). Portanto, as verticalidades integram áreas e pontos espacialmente distantes em uma rede global que serve ao sistema de produção. Essa integração vertical, porém, é alienadora e dependente, uma vez que as decisões importantes relacionadas aos processos locais são tomadas por atores externos, distantes e motivados por interesses diferentes.
Nessas condições, a determinação do futuro de uma região é entregue aos interesses privados de corporações que não possuem compromissos com a comunidade local. Dessa maneira, prevalecem os interesses empresariais sobre os interesses públicos. Assim, o território é visto como um recurso, utilizado de forma pragmática por meio de uma seleção de pontos interessantes às atividades econômicas.
Todavia, Santos (2008, p. 108) pondera que o espaço de fluxos é apenas uma parte do espaço e restrito aos agentes hegemônicos. Além desses espaços globalizados, há, ao mesmo tempo, a permanência das dinâmicas locais, denominadas “horizontalidades”. As horizontalidades seriam, então, “o espaço de todos: empresas, instituições, pessoas; o espaço das vivências”.
As horizontalidades, pois, além das racionalidades típicas das verticalidades que as atravessam, admitem a presença de outras racionalidades (chamadas de irracionalidades pelos que desejariam ver como única a racionalidade hegemônica). Na verdade, são contra-racionalidades, isto é, formas de convivência e de regulação criadas a partir do próprio território e que se mantêm nesse território a despeito da vontade de unificação e homogeneização, características da racionalidade hegemônica típica das verticalidades (Santos, 2008, p. 110).
Nesse sentido, a busca por soluções locais é essencial para garantir a cidadania plena das pessoas. Na esfera da racionalidade hegemônica global, pouca margem é deixada para a criatividade e diversidade. No entanto, em outras esferas do cotidiano surgem diferentes formas de racionalidade. Essas formas são produzidas e mantidas pelos “de baixo”, como forma de escapar do totalitarismo da racionalidade dominante. A ampliação da consciência, segundo o autor, somente será possível a partir dessas outras formas de racionalidade. Vejam:
Nas condições atuais, essa evolução pode parecer impossível, em vista de que as soluções até agora propostas ainda são prisioneiras daquela visão segunda a qual o único dinamismo possível é o da grande economia [...]. Mas esse não é o único caminho e outros remédios podem ser buscados, segundo a orientação político-ideológica dos responsáveis, levando em conta uma divisão do trabalho vinda “de baixo”, fenômeno típico dos países subdesenvolvidos (Santos, 2008, p. 162-163).
Assim, O Novo Constitucionalismo Latino-Americano, ao positivar as cosmovisões indígenas, institucionaliza a importância da Mãe-Terra (Pachamama) e dos modelos de Bem-Viver, como o Sumak Kawsay. Isso revela, de acordo com Acosta (2016), as formas de vida das populações originárias, que foram excluídas e marginalizadas desde a chegada dos colonizadores europeus, por não se encaixarem no projeto colonial da Modernidade.
Sublinha-se que a cosmovisão indígena desempenhou um papel fundamental na concepção da natureza dentro do contexto jurídico. Agora, não a encara-se meramente como um objeto, mas como uma divindade protetora, na qual a vida se reproduz e se manifesta, estabelecendo assim uma nova forma relação com os seres humanos. É, finalmente, sujeito de direitos (Ferreira; Libertino; Vinicius, 2022).
O estabelecimento de elementos da natureza como sujeito de direitos pode ser percebido como uma “irracionalidade”. Contudo, constitui-se como uma outra racionalidade. Isso porque propõe uma mudança de lógica nos modos de vida e produção. Importante destacar que não se trata de uma concepção mística, mas uma concepção mais ampla, amparada na diversidade e interculturalidade.
Nesse aspecto, Gutiérrez e Prado (2013, p. 33) afirmam que “o pensamento da nova ciência não apenas transcende nossas maneiras ocidentais de conceber o universo, mas que é surpreendentemente coincidente com o pensamento e cosmovisão dos povos antigos”. A reconciliação dos seres humanos com a natureza exige a recuperação do equilíbrio dinâmico que se perdeu ao voltar-nos desenfreadamente à cultura da produção.
A visão ecocêntrica não é uma novidade no Direito Ambiental. Contudo, o Novo Constitucionalismo coloca o meio ambiente diretamente como sujeito de direitos, podendo exigir, por si só, tanto uma tutela negativa quanto positiva. Dessa forma, os recursos naturais deixariam apenas de servir, mas também para serem servidos (Ferreira; Libertino; Vinicius, 2022).
Em suma, o Novo Constitucionalismo Latino-Americano busca refundar a teoria constitucional, superando as dificuldades em romper com padrões coloniais sedimentados historicamente. Ele propõe abandonar abordagens totalizantes e uniformizadoras típicas da modernidade, baseadas na racionalidade e no individualismo.
Ao adotar modelos de compreensão da realidade caracterizados pela multiplicidade e pluralismo, esse novo paradigma constitucional se difere do constitucionalismo eurocêntrico. Se estabelece como resultado de assembleias constituintes comprometidas com os processos de regeneração política e social (Pastor; Dalmau, 2019).
O Novo Constitucionalismo Latino-Americano representa um avanço significativo não apenas como modelo, mas também como um participante ativo no diálogo internacional sobre os direitos fundamentais e o meio ambiente, através do Estado Plurinacional. Dessa forma, o diálogo internacional ganha uma nova perspectiva: a cosmovisão indígena.
Reconhecer e valorizar as cosmovisões indígenas pode ser crucial para melhorar efetivamente as condições ambientais, respeitando e dando voz àqueles que não estão apenas próximos dos recursos naturais, mas, além disso, vivenciam a realidade ecológica diariamente (Ferreira; Libertino; Vinicius, 2022).
Apesar dos avanços do Novo Constitucionalismo na superação da colonialidade, não se pode afirmar que tenha atingido plenamente esse objetivo nos países onde se manifesta. Essa prática constitucional enfrenta críticas e busca constantes aperfeiçoamentos (Barbosa; Teixeira, 2017).
Superar a colonialidade epistêmica não é tarefa fácil, pois a construção desse sistema ocorreu ao longo de um processo histórico de dominação econômica, política e ideológica profundamente enraizados. Essa superação não limita-se apenas à redação de textos constitucionais, requer, ainda, práticas institucionais e sociais transformadoras (Acosta, 2016). Envolve desaprender para aprender novas formas de convivência e respeito às diferenças.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os direitos fundamentais são valores éticos históricos em constante evolução, que derivam de lutas culturais, sociais, políticas e econômicas. Com o surgimento do Estado moderno, ocorreu a positivação gradual desses direitos, de acordo com interesses determinados historicamente.
O estudo realizado demonstra que o Estado, o constitucionalismo e os direitos fundamentais estão interligados, protegendo os direitos em uma relação de interdependência. No constitucionalismo moderno implementaram-se os direitos individuais, enquanto no constitucionalismo contemporâneo clássico surgiram os direitos coletivos.
Dessa forma, no Estado Liberal predominaram as liberdades negativas, ou seja, os direitos de primeira dimensão. Posteriormente, surgiu a necessidade de garantir não apenas a proteção dos direitos fundamentais, mas também proporcionar aos indivíduos as condições materiais para desfrutá-los. Isso levou a positivação dos direitos de segunda dimensão, característicos do Estado Social, que exigem uma atuação positiva dos poderes públicos.
Já o Estado Democrático, por sua vez, caracteriza-se pela presença dos direitos de terceira dimensão, que são direitos de titularidade difusa ou coletiva, como os direitos de solidariedade, à paz e ao meio ambiente.
O Novo Constitucionalismo inova ao alargar o conceito dos direitos fundamentais para entes naturais não-humanos, positivando os Direitos da Natureza. Esses direitos emergem como resultado das reivindicações sociais diante do impacto tecnológico, do processo de descolonização pós-guerra e da globalização econômica.
Nesse contexto, o Novo Constitucionalismo Latino-Americano abre caminho para novas formas de organização dos Estados, oferecendo uma abordagem original e distinta da racionalidade hegemônica eurocêntrica, pois reconhece a importância de moldar as instituições a partir da experiência latino-americana e valoriza a singularidade histórica do continente.
Com o discorrido, pode-se confirmar que as características do constitucionalismo clássico, baseadas em um padrão universalista, ao adotar referências ideais, perdem de vista a riqueza da diversidade cultural e são incapazes de lidar com os desafios relacionados à proteção dos direitos fundamentais das populações marginalizadas, como os povos originários da América Latina.
Enquanto o modelo europeu aposta na efetividade constitucional e o compromisso fundamental com a dignidade humana, o Novo Constitucionalismo Latino-Americano adota uma concepção radicalmente diferente de Bem-Viver, reconhecendo que o ser humano é parte de uma totalidade que vai além de si mesmo.
Isso posto, as medidas de proteção ambiental deixam de ser consideradas meros reflexos do direito, uma forma secundária de proteção, e passam a desempenhar um papel protagonista nas questões ambientais. Cabe reconhecer que, na prática, problemas persistirão, pois lidar com a crise de legitimidade envolve a dinâmica contínua entre dominados e dominantes.
De toda forma, é evidente que há um avanço significativo, sobretudo na valorização de outras formas de vida e produção, bem como no entendimento de que a natureza pode ser detentora de direitos. Esses princípios serão disseminados na comunidade internacional por meio do diálogo entre as nações, no qual a cosmovisão indígena se apresenta como novo ator internacional. Isso possibilita a concretização de uma cooperação internacional em prol da proteção ambiental.
BIBLIOGRAFÍA
- ACOSTA, Alberto. O Bem Viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. São Paulo: Elefante, 2016.
- BARBOSA, Maria Lúcia; TEIXEIRA, João Paulo Allain. Neoconstitucionalismo e Novo Constitucionalismo Latino Americano: dois olhares sobre igualdade, diferença e participação. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, v. 8, n. 2, p. 1113-1142, 2017.
- BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 10. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
- BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011.
- BRANDÃO, Pedro Augusto Domingues Miranda. O Novo Constitucionalismo Pluralista Latino-Americano: participação popular e cosmovisões indígenas (Sumak Kawsay e Pachamama). 2013. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013. Disponível em: link. Acesso em: 2 jun. 2023.
- BREGA FILHO, Vladimir. Direitos fundamentais na constituição de 1988. Conteúdo Jurídico das Expressões. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003.
- CASTELLS, Manuel. La era dela información: economía, sociedad y cultura. Madrid: Alianza Editorial, 1998.
- COSTA, Beatriz Souza; REIS, Émilien Vilas Boas; OLIVEIRA, Márcio Luís de. Fundamentos filosóficos e constitucionais do direito ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.
- ENGELS, Friedrich; MARX, Karl. Manifesto do Partido Comunista. Porto Alegre: L&PM Editores, 2001.
- EQUADOR, Corte Provincial da Justiça de Loja. Sentença em Recurso Judicial Nº 11121-2011-001. Disponível em: enlace. Acesso em: 12 mai 2023.
- FERREIRA, Adriano Fernandes; LIBERTINO, D’artangnan; VINICIUS, Herberth. A Titularidade do Poder Constituinte e o Novo Constitucionalismo Pluralista Latino-Americano: Reflexos no Direito Ambiental Internacional. Revista Argumentum, Marília, v. 23, n.1, p. 41-61, jan./abr. 2022.
- FONT, Joan Nogué; RUFI, Joan Vicente. Geopolítica, identidade e globalização. São Paulo: Annablume, 2006.
- FRACARO, Petra Cristina Fiorin; ZANATTA, Michelle ngela. Os direitos fundamentais nas diferentes épocas do constitucionalismo moderno. V Seminário Internacional de Direitos Humanos e Democracia, Ijuí, p. 1-13, V, fev. 2018. Disponível em: enlace. Acesso em: 10 mai. 2023.
- GALUPPO, Marcelo Campos. O que são os direitos fundamentais?. In: SAMPAIO, José Adércio Leite. Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
- GUTIÉRREZ, Francisco; PRADO, Cruz. Ecopedagogia e cidadania planetária. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2013.
- HORTA, Raul Machado. Constituição e direitos sociais. Revista de Direito Comparado, Belo Horizonte, p. 51-74, mar. 1998.
- JACOBI, Pedro Roberto; GUERRA, Antonio Fernando; SULAIMAN, Samia Nascimento; NEPOMUCENO, Tiago. Mudanças Climáticas Globais: a resposta da educação. Revista Brasileira de Educação, v. 16, n. 48, jan./abr. 2011.
- KALIL, Ana Paula Maciel Costa; FERREIRA, Heline Sivini. A dimensão socioambiental do Estado de Direito. Revista Veredas do Direito, Belo Horizonte, v. 14, n. 28, p. 329-359, jan./abr. 2017.
- LÖWY, Michael. Ecossocialismo: o que é, por que precisamos dele, como chegar lá. Revista Germinal, Salvador, v.13, n. 2, p. 471-482, ago. 2021.
- OLSEN, Ana Carolina Lopes; PAMPLONA, Danielle Anne. Violações a Direitos Humanos por Empresas Transnacionais na América Latina: Perspectivas de Responsabilização. Revista Direitos Humanos e Democracia, ano 7, n. 13, jan./jun. 2019. Disponível em: enlace. Acesso em: 03 mai. 2023.
- PASTOR, Roberto Viciano; DALMAU, Rubén Martínez. A Constituição democrática: entre o neoconstitucionalismo e o novo constitucionalismo. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 9, n. 2, p.333-349, 2019.
- PIOVESAN, Flávia Cristina. Direitos humanos e justiça internacional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
- SALGADO, Joaquim Carlos. A idéia de justiça em Kant: seu fundamento na liberdade e na igualdade. Belo Horizonte: UFMG, 1986.
- SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 16. ed. Rio de Janeiro: Record, 2008.
- SARLET, Ingo Wolfgang. Eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.
- STIGERT, Ludmila Castro Veado; JUNIOR, Eloy Pereira Lemos. O Constitucionalismo moderno e a nova perspectiva dos direitos fundamentais. Revista E-Civitas, Belo Horizonte, v. IV, p. 1-28, jul. 2011.
- WOLKMER, Antonio Carlos; KYRILLOS, Gabriela de Moraes. Redefinindo os paradigmas do direito na América Latina: interculturalidade e buen vivir. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, n. 78, abr./jun. 2015.
NOTAS
[1] Pós-doutora pela Universidad Castilla-La Mancha. Doutora e mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora na Pós-graduação em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara (ESDHC). Pró-reitora de Pesquisa da ESDHC. Currículo Lattes: enlace. ORCID: enlace. E-mail: biaambiental@yahoo.com.br
[2] Mestranda em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom Helder Câmara (ESDHC). Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Vale do Rio Verde. Professora pela Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais. Currículo Lattes: enlace. ORCID: enlace. E-mail: adriana.ferreira1@educacao.mg.gov.br
[3] Mestrando em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom Helder Câmara (ESDHC). Graduado em Geografia pela União Pioneira de Integração Social. Professor pela Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais. Currículo Lattes: enlace. ORCID: enlace. E-mail: paulo.mendes.oliveira@educacao.mg.gov.br