ESTUDIOS  
ESTADO SOCIOAMBIENTAL E MOVIMENTO ECOLÓGICO:
A SUSTENTABILIDADE E A JUSTIÇA AMBIENTAL
COMO POSSIBILIDADES DE EFETIVAÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA

   
BARROS, Liliane Costa de[1]
DAMBROS, Gabriela[2]
PINHEIRO, Alberto Evangelho[3]
SARAIVA, Bruno Cozz[4]

 


RESUMO:
O atual paradigma, identificado pela degradação/utilização institucionalizada do meio ambiente, requer uma reflexão sobre as práticas econômicas, ambientais e sociais. A discussão ambiental configura-se de forma crescente como uma questão que envolve um conjunto de atores dos diversos segmentos da sociedade. Hodiernamente, uma das palavras mais utilizadas pela população refere-se a “sustentabilidade”. No entanto, esse conceito precisa ser redimensionado, uma vez que tal substantivo, muitas vezes, vem carregado de equívocos em seu significado. Sustentabilidade pode ser considerada um conceito amplo e até de natureza polissêmica, pois direciona a múltiplas leituras, algumas associadas à justiça socioambiental e à preservação ecológica e, também, ao crescimento econômico com “preocupações ecológicas”. Nesse sentido, o presente artigo visa discutir o conceito de sustentabilidade e de justiça ambiental por meio de um resgate teórico, de forma a vislumbrar uma proximidade de concretude conceitual em relação a tal mecanismo econômico, ambiental e social de aferição da qualidade de vida.

Palavras–chave: Meio ambiente; Sustentabilidade; Justiça ambiental.

ABSTRACT:

The current paradigm, identified by degradation / utilization institutionalized environment, requires a reflection on the practices of economic, environmental and social. The environmental discussion configures itself increasingly as an issue that involves a number of actors from different segments of society. Hodiernamente, one of the words most used by the population refers to "sustainability." However, this concept needs to be resized, since this noun often comes laden with misconceptions on its meaning. Sustainability can be seen as a broad concept and even polysemous nature because directs multiple readings, some associated with environmental justice and ecological preservation and also economic growth, "environmental concerns." Accordingly, this paper discusses the concept of sustainability and environmental justice through a theoretical, to envision a conceptual proximity of concreteness in such an arrangement economic, environmental and social assessment of the quality of life.

Keywords: Environment; Sustainability; Environmental justice.

 

Na década de 1960, o mundo presenciou o surgimento de uma série de movimentos sociais, dos quais, emergiu o movimento ambientalista. Tais movimentos sociais criticavam o modo de produção, mas, também, o modo de vida das pessoas. O movimento ecológico tem essas raízes histórico-culturais. Talvez nenhum outro movimento social tenha levado tão a fundo essa ideia, na verdade essa prática, de questionamento das condições presentes de vida. (GONÇALVES, 2004, p. 12).

Em 1962 Rachel Carson lançou “Primavera Silenciosa” (Silent Spring), um dos seus mais importantes livros, no qual, abordava o uso indiscriminado de agrotóxicos ou pesticidas. Denunciava como o DDT[5]. penetrava e acumulava-se nos tecidos gordurosos dos animais, inclusive, no do homem e que, necessariamente, este também estava contribuindo para a extinção de algumas espécies de pássaros. Esta obra teve relevante importância para que o ambientalismo obtivesse maior visibilidade no cenário mundial.

Neste contexto social, em 1968, ocorreu, em Paris, a Conferência Intergovernamental de Especialistas sobre as Bases Científicas para Uso e Conservação Racional dos Recursos da Biosfera que discutiu os problemas ambientais sob a perspectiva dos impactos da sociedade sobre a mesma. Também, neste ano foi criado o Clube de Roma, grupo que tinha como intuito debater o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável, de forma a aprofundar e discutir os principais problemas da humanidade.

[...] as primeiras iniciativas ambientalistas se originam nas ações de grupos preservacionistas na década de 50. Em 1955 é fundada a União Protetora do Ambiente Natural (UPAN) pelo naturalista Henrique Roessler em São Leopoldo no Rio Grande do Sul, e em 1958 é criada no Rio de Janeiro a Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza (FBCN) com objetivos e modo de atuação estritamente conservacionista, que centrava suas atividades na preservação da fauna e da flora, com particular ênfase naquelas ameaçadas de extinção. (JACOBI, 2003, p. 2)

No âmbito mundial, para Aires (2005), foi nos anos 70 que se solidificou a consciência planetária das ameaças da civilização industrial-tecnológica e que os recursos naturais são limitados. Em meio a isso, em 1972, o Clube de Roma publicou um relatório intitulado “The Limits to Growth” (Os Limites do Desenvolvimento) que apontava que as raízes da crise ambiental decorriam do crescimento exponencial da economia e da população e, com tal afirmação, acabava por defender o crescimento zero. No entanto, esse crescimento zero fechava o caminho para o crescimento dos países mais pobres.

Ressalta-se, também, que os grandes eventos internacionais, que envolvem a temática ambiental, só tiveram inicio na década de 70. Bernardes & Ferreira (2003, p.35) apontam que o desastre da Baía de Minamata, no Japão, motivou a Suíça a solicitar a primeira grande conferência internacional para discutir o problema ambiental. Esta foi realizada em Estocolmo em 1972 e foi denominada Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente.

Nessa conferência, um dos momentos importantes foi a contestação das propostas do Clube de Roma, principalmente a do crescimento zero para países pobres. A Conferência de Estocolmo acabou por criar programas e comissões como o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CMMAD).

Em Estocolmo, o Brasil liderou os países periféricos que eram contrários à limitação de desenvolvimento imposta pelas nações mais ricas (BERNARDES & FERREIRA, 2003). Contudo, o Brasil convidou países industrializados para instalar indústrias em seu território, aceitando, nos anos seguintes, a transferência de indústrias poluentes do hemisfério norte.

Nesse contexto, ainda em 1973, foi criada no Brasil a SEMA (Secretaria Especial do Meio Ambiente) que tinha a função de elaborar estratégias de conservação do meio ambiente. Na passagem da década de 1970 para a década de 1980, os movimentos sociais perderam força. Com isso, o ano de 1987 acabou marcando o movimento ambientalista por meio da criação do Relatório de Brundtland[6] e que, a partir desta, entrou em circulação a expressão Desenvolvimento Sustentável[7].

Conforme Almeida (1997, p.21) o Relatório Brundtland foi publicado no Brasil em 1987 com o título “Nosso Futuro Comum”. Tinha como objetivo apresentar-se como um texto preparatório à Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (Eco-92). Ainda de acordo com a autora, a ideia de desenvolvimento sustentável aparece nos seguintes termos: é aquele “capaz de garantir as necessidades das gerações futuras”.

Ressalta-se, ainda, que uma crise econômica afetava os primeiros anos da década de 1980, por meio dos problemas advindos da crise do petróleo em 1979. Dessa forma, o mundo presenciava a entrada de um novo ciclo capitalista, caracterizado pela globalização[8].

Em 1992, no Rio de Janeiro, aconteceu a Conferência sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. Tal acontecimento foi denominado de Conferência da Cúpula da Terra e tornou-se mais conhecido como ECO-92.

A conferência do Rio, ou Rio-92, como ficou conhecida a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Unced ou Earth Summit), veio contrariar os que gostam de tornar as coisas mais complicadas. Através do Capítulo 4, Seção IV da Agenda 21, a Rio-92 corroborou as recomendações de Tbilisi para a EA. Ficou patente a necessidade do enfoque interdisciplinar e da priorização das seguintes áreas de programas: a) reorientar a educação para o desenvolvimento sustentável; b) aumentar os esforços para proporcionar informações sobre o meio ambiente, que possam promover a conscientização popular; c) promover treinamento. Mas a Agenda 21, um programa de ação de oitocentas páginas, não restringe a EA à Seção IV. A EA está presente em quase todos os 39 capítulos do documento, prevendo ações até o século XXI. A Rio-92 também endossou as recomendações da Conferência sobre Educação para Todos, realizada na Tailândia (1990), que incluiu o tratamento da questão do analfabetismo ambiental. (DIAS, 2004, p. 171-172)

Bernardes & Ferreira (2003, p.36) colocam que a ECO 92 foi “[...] a grande marca da internacionalização definitiva da proteção ambiental e das questões ligadas ao desenvolvimento, criando elementos importantes como a Agenda 21 e o Fundo Global para o Meio Ambiente, do Banco Mundial”.

A Agenda 21 constitui-se em um documento de 40 capítulos que tentou promover, em escala mundial, um novo padrão de desenvolvimento, no qual os países poderiam cooperar no estudo de soluções para problemas ambientais, conciliando métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica.

Na década de 90, ainda ocorreram outras conferências, dentre as quais, destacaram-se a Conferência das Nações Unidas em Kioto (1997), a Conferência Internacional sobre Meio Ambiente e Sociedade (1997) e a Conferência das Nações Unidas em Buenos Aires (1998). Nos anos 90, o cenário econômico sofreu transformações com a difusão do neoliberalismo que interferiu, diretamente, nos movimentos sociais. O Estado se isentava de suas obrigações e as instituições passavam a assumir a função de Estado.

O contexto atual, caracterizado pela degradação permanente do meio ambiente, requer uma reflexão sobre as práticas sociais. A discussão ambiental configura-se de forma crescente como uma questão que envolve um conjunto de atores dos diversos segmentos da sociedade. Hodiernamente, uma das palavras mais utilizadas pela população refere-se a “sustentabilidade”. No entanto, esse conceito precisa ser revisto, uma vez que tal substantivo, muitas vezes, vem carregado de equívocos em seu significado. Sustentabilidade pode ser considerada um conceito amplo e até de natureza polissêmica, pois direciona a múltiplas leituras, algumas associadas à justiça social e à preservação ecológica e, outras, ao crescimento econômico com “preocupações ecológicas”. Nesse sentido, o presente artigo visa discutir o conceito de sustentabilidade e de justiça ambiental por meio de um resgate teórico, de forma a vislumbrar uma proximidade de concretude conceitual em relação a tal mecanismo econômico, ambiental e social de aferição da qualidade de vida.



SUSTENTABILIDADE: EM BUSCA DE UM CONCEITO
Fundamentalmente, uma das palavras mais utilizadas pela população é “sustentabilidade[9].”. No entanto, esse conceito precisa ser revisto, uma vez que tal substantivo, muitas vezes, vem carregado de equívocos em seu significado. A palavra sustentabilidade, implicitamente, carrega um forte problema ambiental, principalmente, quando é utilizada para camuflar agressões à natureza.

Sem dúvida, o conceito de sustentabilidade é instigante, complexo e desafiador. Faz-nos pensar sobre as múltiplas dimensões e suas relações. Mas o que houve de mais interessante ao se trazer um conceito biológico para a política e a economia foi não só admitir a dinâmica do contexto ecológico como uma condição objetiva de qualquer atividade social, mas também pensar em um desenvolvimento que fosse duradouro e atribuir responsabilidade pela vida das pessoas no futuro a partir do que o cidadão realiza no presente. Em um momento de tanta ênfase no imediato e na efemeridade, propor o inverso é algo consideravelmente radical e tem seu mérito. (LOUREIRO, 2012, p. 57)

Ressalta-se, que o termo sustentabilidade é procedente das Ciências Biológicas e define se um ambiente é capaz de satisfazer suas próprias necessidades. No entanto, ao satisfazer as necessidades eminentes, deve, fundamentalmente, garantir as mesmas oportunidades para as futuras gerações. Em 1984, aconteceu a Conferência que deu origem à Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Essa comissão era composta por diversos especialistas que, em 1987, foi encerrada, ao ser publicado o relatório “Nosso Futuro Comum” onde o termo Desenvolvimento Sustentável foi definido.

Aí aparece claramente a expressão “desenvolvimento sustentável”, definido como “aquele que atende as necessidades das gerações atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atenderem a suas necessidades e aspirações”. Esta definição se tornou clássica e se impôs em quase toda a literatura a respeito do tema. (BOFF, 2012, p. 34)
Para dar continuidade a discussão em 1992 foram produzidos diversos documentos, entre eles, a Agenda 21. Em tais documentos o conceito de desenvolvimento sustentável[10] foi amplamente espraiado em inúmeros textos legais. A partir de tais normatizações o termo sustentabilidade ganhou novas dimensões, pois, ao incorporar o termo “desenvolvimento” (que é oriundo da economia) ao “sustentável” (biológico), acabou por descaracterizar o sentido literal do termo.

Não há a menor dúvida de que este foi o entendimento e projeto político dominante e, nesse sentido, o uso do conceito desenvolvimento é absolutamente impertinente aos debates ambientais e à busca de qualquer sustentabilidade, uma vez que se pauta em modelo único de organização e de riqueza material, no caso, reduzida a mercadorias a serem geradas e consumidas. Ainda que atualmente hajam índices outros acoplados, que procuram enfatizar aspectos mais subjetivos de satisfação, a atividade econômica é naturalizada e o crescimento é visto como inexorável e condição de aprimoramento do modo de produção capitalista. (LOUREIRO, 2012, p. 59)
Por meio destas reflexões pode-se inferir que a noção de sustentabilidade está associada às de durabilidade, resistência ao tempo e estabilidade. Foi proposta no início da década de 1970, mas, só nos anos 1980, ganhou destaque nas discussões entre desenvolvimento e meio ambiente, no processo de preparação da Conferência da ONU, que ocorreu no Rio de Janeiro em 1992.


O problema não é a diversidade de sentidos atribuídos a sustentabilidade e desenvolvimento, mas está em como um mesmo conceito pode comportar sentidos antagônicos e incompatíveis. A diversidade de significados é cabível quando há uma coerência epistemológica mínima e político-ideológica. Fora disso, passa a ser um conceito que explica tudo e nada ao mesmo tempo, que seve a todos como se estes estivessem interessados na mesma coisa. (LOUREIRO, 2012, p. 64)
Com o modo de produção capitalista um real desenvolvimento sustentável parece difícil de acontecer, pois para que ele seja alcançado é necessário que haja um planejamento e reconhecimento de que os recursos naturais são finitos. No entanto, o capital entende desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico, que requer consumo crescente e implica em apropriação de recursos naturais. Stahel (1995 apud Vargas, 1997, p.207) afirma que:

A ideia de que, ao buscar-se um desenvolvimento sustentável, hoje, está-se, ao menos implicitamente, pensando em um desenvolvimento capitalista sustentável, ou seja, uma sustentabilidade dentro do quadro institucional de um capitalismo de mercado. No entanto, [...] o conceito corre o risco de tornar-se um conceito vazio, servindo apenas para dar uma nova legitimidade para a expansão insustentável do capitalismo.

Nesse sentido, fica evidente que para não cair nas falsas armadilhas que estão conceitualmente camufladas no termo “sustentabilidade” ou “desenvolvimento sustentável”, há de ser ter formação política e ter um olhar crítico em relação ao que acontece no ambiente em que se está inserido, diminuindo, assim, as injustiças ambientais que, indubitavelmente, tornaram-se inerentes aos cenários cotidianos.

A importância de se aproximar conceitualmente do que seja Sustentabilidade, perpassa a unicidade disciplinar, ancorando-se em outras áreas do conhecimento. Necessariamente, o Direito passa a contribuir legalmente à consolidação de um ideal de sociedade sustentável, que vislumbra conduzir a população aos ditames para além da Justiça Social, proclamando a constitucionalização da Justiça Ambiental.


Sustentabilidade é o princípio constitucional que determina, independentemente de regulamentação legal, com eficácia direta e imediata, a responsabilidade do Estado e da sociedade pela concretização solidária do desenvolvimento material e imaterial, socialmente inclusivo e equânime, ambientalmente limpo, inovador, ético e eficiente, no intuito de assegurar, preferencialmente de modo preventivo e precavido, no presente e no futuro, o direito ao bem-estar físico, psíquico e espiritual, em consonância homeostática. (FREITAS, 2011, p. 147)
Hodiernamente, a conceituação – sustentável – disseminada pela mídia e idealizada a partir de um viés ancorado na possibilidade de sustentar a produção, fracassa na obrigatoriedade de efetivar o Estado Social de Direito que, necessariamente, se tornaria sustentável por meio da difusão e efetivação do ideal de qualidade de vida[11], de forma a distribuir renda, impulsionar e controlar a economia na criação de trabalho, construir políticas públicas em prol de exterminar o déficit habitacional, investir em educação, ampliar o acesso à saúde pública de qualidade (Sistema Único de Saúde) e, concomitantemente, proteger e garantir as bases de reprodução natural. Somente desta forma, poder-se-ia falar em Sociedade Sustentável, inter-relacionando, harmonicamente, homem-sociedade-natureza.

Portanto, almejar a intocabilidade do Patrimônio Ambiental e, fundamentalmente, abandonar o social, como também, primar pelo ápice desenvolvimentista e aplicar a doutrina neoliberal, consubstanciando a livre apropriação-destruição do meio ambiente, são possibilidades que não se coadunam com o aparato socioambiental de matriz sustentável – democraticamente – idealizado pelo legislador constituinte na Carta Federal de 1988.


CONSTITUIÇÃO E MEIO AMBIENTE: O SOCIAL E O AMBIENTAL EM PROL DA HARMONIZAÇÃO ENTRE HOMEM-NATUREZA

A salvaguarda ambiental trazida pelo Estado de Direito Democrático, mais precisamente pela Constituição da República Federativa do Brasil inovou, por meio da constitucionalização da matéria ambiental, Art. 225, no que se refere à democratização da participação e da responsabilidade na defesa do Patrimônio Ambiental. A partir de tal conquista, vislumbrada pelo viés público, coletivo e social do legislador constituinte, se institucionalizou a possibilidade da Responsabilidade Compartilhada[12], o que resultou no compromisso socioambiental do Estado juntamente à coletividade de zelar em prol da manutenção de um mínimo existencial relacionado à qualidade do meio ambiente[13].

Com tal mecanismo, externaliza-se a capacidade protetiva ambiental, reverenciando a construção de uma cidadania pautada no ambientalismo, ultrapassando a representatividade individual e limitada relutante da Revolução Francesa com vistas a expandir a atuação cidadã em prol de dignificar não apenas a humanidade, mas sim, todos os seres vivos, buscando a sustentabilidade de todos e para todos. Um modelo ambiental de cidadania, inerente à imprescindibilidade da questão ambiental local e global subjacente aos processos políticos e sociais de luta em decorrência da caracterização de atuações político-sociais que venham a efetivar uma responsabilidade compartilhada e a substantivação da Cidadania Ambiental, com a finalidade de materializar o Estado de Direito Social[14]. como alicerce à construção do Estado de Direito Ambiental[15].

A politização da tecnologia não é possível sem a das chamadas matérias-primas, ou seja, sem a politização da relação natureza-sociedade no espaço da produção. A distinção natureza-sociedade faz hoje pouco sentido, uma vez que a natureza é cada vez mais a segunda natureza na sociedade. A natureza é uma relação social que se oculta atrás de si própria e que por isso é duplamente difícil de politizar. Contudo, perante os riscos da catástrofe ecológica, tal politização está já a impor-se e as clivagens políticas do futuro assentarão crescentemente nas diferentes percepções destes riscos. A politização da natureza envolve a extensão a esta do conceito de cidadania, o que significa uma transformação radical da ética política da responsabilidade liberal, assente na reciprocidade entre direitos e deveres. Será então possível atribuir direitos à natureza sem, em contrapartida, ter de lhe exigir deveres. A ecologia e o movimento ecológico são, assim, partes integrantes do processo de politização do espaço da produção, embora os seus objectivos se estendam por qualquer dos outros espaços estruturais. (SANTOS, 2008, p. 274-275).

O debate a cerca da constitucionalização da Justiça Ambiental como mecanismo jurídico, vista, anteriormente, como Movimento Social, justifica-se a partir da hodierna ruptura da ordem cronológica ambiental. A nova cronologia[16] em relação à natureza é ditada pelo tempo da produção, pela ideologia utilitária global mercadológica, que considera os “Bens Ambientais”, unicamente, como matéria-prima para o fomento da economia e da intensificação do crescimento econômico concentrado (capital), sem distribuição de renda, pautado no acúmulo global de capital e na disseminação da miséria local.

Desde a década de 1980 e princípio dos anos 1990, a luta pela “justiça ambiental” tem se convertido em um movimento organizado contra o “racismo ambiental”. [...] Entretanto, “justiça ambiental” é uma expressão que possui maior proximidade com a sociologia ambiental e o estudo das relações étnicas do que com a ética ambiental ou a filosofia. Por exemplo, o catálogo da biblioteca da Universidade de Yale (1992-2000) inclui sob a rubrica de justiça ambiental as obras relacionadas com a igualdade da proteção para todos diante de ameaças de cunho ambiental e à saúde, sem discriminar raça, nível de renda, cultura ou classe social. (MARTÍNEZ ALIER, 2007, p. 229)

Na discussão terminológica e prática acerca da Justiça Ambiental, o Direito passa a contribuir para além da aproximação de um conceito, mas sim, na tentativa de corroborar para constitucionalização de tal mecanismo e, essencialmente, delimitar, no ordenamento jurídico constitucional, os caminhos e métodos que, pelo viés democrático, social e ambiental, seja possível e viável a efetivação da Justiça Ambiental também pelo Direito, como garantia fundamental em prol do estabelecimento de uma sociedade sustentável, aos moldes socioambientais da Constituição da República Federativa do Brasil.

No entanto, para se efetivar tal paradigma de combate a Injustiça Ambiental, que é a regra socialmente posta, faz-se necessária a efetivação do Estado Social de Direito como forma de minimização dos danos (sociais e ambientais) causados pelo crescimento econômico desenfreado que consubstancia o acúmulo de capital, ocasionando, consequentemente, na não distribuição de renda e inviabilizando a melhoria da qualidade de vida populacional, negando a materialização da Justiça Ambiental como Direito Fundamental alicerçado no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana[17].

O desenvolvimento com justiça ambiental requer a combinação de atividades no espaço de modo a que a prosperidade de uns não provenha da expropriação dos demais. Mais do que isso, os propósitos da justiça ambiental não podem admitir que a prosperidade dos ricos se dê por meio da expropriação dos que já são pobres. Mas esse tem sido o mecanismo pelo qual o Brasil tem batido recordes em desigualdade social no mundo: concentra-se a renda e concentram-se também os espaços e recursos ambientais nas mãos dos agentes mais poderosos. Nesses casos, não há, por certo, como chamar de progresso e desenvolvimento esse processo de empobrecimento dos que já são pobres. Pois a exploração ambiental das populações mais desprotegidas faz da concentração dos males sobre os mais pobres um meio de extração de uma espécie de “mais-valia ambiental” pela qual os capitais se acumulam pela apropriação dos benefícios do ambiente e pela imposição do consumo forçado de seus efluentes indesejáveis aos mais pobres. Configura-se assim uma relação lógica entre a acumulação de riqueza e a contaminação do ambiente: certos capitais lucram com a transferência dos males ambientais para os mais desprotegidos. (ACSELRAD, MELLO & BEZERRA, 2009, p. 77)



CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto, ao se analisar o conceito de sustentabilidade, nota-se a realização de uma discussão superficial, manipulada, essencialmente, pela mídia e pelos meios de produção (capital), que tem possibilitado uma noção bastante ampla e de natureza polissêmica[18] e/ou,também, uma distorção conceitual, visto que permite múltiplas leituras, algumas associadas à manutenção do meio ambiente sem abandonar a lógica capitalista e o crescimento econômico e, outras, relacionadas à preservação ecológica, à justiça ambiental e à qualidade de vida.

O mundo atual, caracterizado pela globalização e consumo crescentes, trilha caminhos que desafiam qualquer noção de sustentabilidade. Dessa forma, ao apontar a emergência de uma crise de insustentabilidade econômica, ecológica e social, se faz necessário que a discussão ambiental envolva atores de diversos segmentos da sociedade e da ciência. Em detrimento da complexidade das inter-relações de homem-natureza, torna-se imprescindível a atuação do Estado com vistas à regular o modelo econômico plasmado na Constituição da República Federativa do Brasil e, fundamentalmente, considerar a Carta Federal como Força Normativa, vinculando os Três Poderes – Executivo, Legislativo, Judiciário e Sociedade Civil – a pautarem suas atuações conforme à Constituição, exercendo a ideia de sistematicidade que há no ordenamento jurídico, equilibrando garantias sociais, desenvolvimento econômico e sustentabilidade socioambiental.

Com isso, é imperativo da hodierna sociedade reivindicar a materialização do Estado Social de Direito como fundamento à construção do Estado de Direito Ambiental, ancorando tal ação no fortalecimento de uma democracia ideologicamente socioambiental, vislumbrando o exercício da Responsabilidade Compartilhada concernente à crise paradigmática que assola as bases de reprodução natural. Diante de tal problemática, a Sustentabilidade, almejada por todos, mas, igualmente, distorcida por todos, consolidar-se-á a partir do compartilhamento das atribuições entre Estado e Sociedade Civil, democraticamente, incluindo indistintamente todos, aos moldes da Constituição de 1988, buscando a construção de uma sociedade justa e ambientalmente solidária para com as gerações vindouras.

 

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NOTAS

[1] Graduada em Biologia. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). E-mail: lilianecbarros@hotmail.com.
[2] Licenciada em Geografia. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: gabbydambros@yahoo.com.br
[3] Engenheiro agrônomo. E-mail: betinhoep@hotmail.com.
[4] Graduando em Direito na Universidade Federal do Rio Grande (FURG). E-mail: brunocozza19@hotmail.com.
[5] Dicloro Difenil Tricloroetano: pesticida amplamente utilizado na Segunda Guerra Mundial para prevenção de tifo em soldados e posteriormente usado na agropecuária.
[6] O Relatório Brundtland, de 1987, da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, retoma o conceito de desenvolvimento sustentável, dando-lhe a seguinte definição (p.9): “desenvolvimento que responde às necessidades do presente sem comprometer as possibilidades das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades”. Examinando os detalhes desta definição, observa-se o seguinte: é desenvolvimento porque não se reduz a um simples crescimento quantitativo; pelo contrário, fez intervir a qualidade das relações humanas com o ambiente natural, e a necessidade de conciliar a evolução dos valores socioculturais com a rejeição de todo processo que leva à deculturação. É sustentável porque deve responder à equidade intrageracional e à intergeracional. (MONTIBELLER-FILHO, 2001, p. 48)
[7] A partir da década de 1980 difunde-se o termo desenvolvimento sustentável. É uma expressão de influência anglo-saxônica (sustainable development), utilizada primeiramente pela União Internacional pela Conservação da Natureza (correspondente em inglês a IUCN). A tradução oficial francesa para o conceito é développement durable, equivalendo em português a desenvolvimento durável e bastante próximo ao de sustentável (Raynaut; Zanoni, 1993). (MONTIBELLER-FILHO, 2001, p. 47)
[8] Globalização significa, diante deste quadro, os processos, em cujo andamento os Estados nacionais veem a sai soberania, sua identidade, suas redes de comunicação, suas chances de poder e suas orientações sofrerem a interferência cruzada de atores transnacionais (BECK, 1999, p. 30).
[9] [...] Compreende a preservação, a manutenção, a utilização sustentada, a restauração e a melhoria do ambiente natural. Defini-se como “a gestão da utilização da biosfera pelo ser humano, de tal sorte que produza o maior benefício sustentado para as gerações atuais, mas que mantenha sua potencialidade para satisfazer às necessidades e ás aspirações das gerações futuras”. Por preservação entende-se o conjunto de métodos, procedimentos e políticas que visem à proteção a longo prazo das espécies, habitats e ecossistemas, além da manutenção dos processos ecológicos, prevenindo a simplificação dos sistemas naturais. (SILVA, 2009, p. 88-89).
[10] Há diferentes formas de se definir desenvolvimento sustentável. Para alguns, nem conceito propriamente dito é e sim uma “ideia-força”, um conjunto de princípios manifestos em busca de um desenvolvimento qualificado por uma preocupação, qual seja: crescer sem comprometer a capacidade de suporte dos ecossistemas e seus ciclos, garantindo a existência social e de outras espécies em longo prazo. Mesmo que não o entendamos como um conceito, mas como uma ideia mobilizadora, sem dúvida, deve ser admitido que é uma ideia bastante instigante e capaz de gerar grandes debates e mobilizações de grupos e pessoas em torno dela. (LOUREIRO, 2012, p. 55).
[11] Qualidade de vida, proposta na finalidade do direito econômico, deve ser coincidente com a qualidade de vida almejada nas normas de direito ambiental. Tal implica que nem pode ser entendida como apenas o conjunto de bens e comodidades materiais, nem como a tradução do ideal da volta à natureza, expressando uma reação e indiscriminado desprezo a toda elaboração técnica industrial. Portanto, qualidade de vida no ordenamento jurídico brasileiro apresenta estes dois aspectos concomitantemente: o do nível de vida material e o do bem-estar físico e espiritual. Uma sadia qualidade de vida abrange esta globalidade, acatando o fato de que um mínimo material é sempre necessário para o deleite espiritual. Não é possível conceber, tanto na realização das normas de direito econômico como nas normas de direito ambiental, qualquer rompimento desta globalidade que compõe a expressão “qualidade de vida”, muitas vezes referida por sua expressão sinônima “bem-estar”. (DERANI, 2008, p. 59).
[12] A Constituição da República Federativa do Brasil, por exemplo, comprova esse avanço. Afastando-se do paradigma estritamente antropocêntrico e ultrapassando a concepção de dignidade como condição limitada à vida humana, o constituinte concebeu o meio ecologicamente equilibrado como um direito de todos e requisito essencial à sadia qualidade de vida. Ademais, instituindo um sistema de responsabilidades compartilhadas, incumbindo o Poder Público e a coletividade de preservar o macrobem ambiental para as gerações presentes e futuras. (LEITE, 2010, p. 10).
[13] Meio Ambiente entendido como a inter-relação do social com o ambiental.
[14] Quando o Estado, coagido pela pressão das massas, pelas reivindicações que a impaciência do quarto estado faz ao poder político, confere, no Estado constitucional ou fora deste, os direitos do trabalho, da previdência, da educação, intervém na economia como distribuidor, dita o salário, manipula a moeda, regula os preços, combate o desemprego, protege os enfermos, dá ao trabalhador e ao burocrata a casa própria, controla as profissões, compra a produção, financia as exportações, concede crédito, institui comissões de abastecimento, provê necessidades individuais, enfrenta crises econômicas, coloca na sociedade todas as classes na mais estreita dependência de seu poderio econômico, político e social, em suma, estende sua influência a quase todos os domínios que dantes pertenciam, em grande parte, à área de iniciativa individual, nesse instante o Estado pode, com justiça, receber a denominação de Estado social. (BONAVIDES, 2011, p. 186).
[15] O Estado de Direito do Ambiente é uma construção teórica que se projeta no mundo real ainda como devir. A despeito desse fato, a relevância do paradigma proposto deve ser observada para uma melhor compreensão das novas exigências impostas pela sociedade moderna, especialmente quando se considera o constante agravamento da crise ambiental. Nesse sentido, pondera Ferreira, a proposição de um novo modelo estatal ambientalmente orientado recusa o fechamento do horizonte de expectativas, possibilita a visualização de alternativas e rejeita a subjetividade do conformismo. O Estado de Direito Ambiental, portanto, tem valor como construção teórica e mérito como proposta de exploração de outras possibilidades que se apartam da realidade para compor novas combinações daquilo que existe. É, por si só, um conceito abrangente, pois tem incidência necessária na análise da Sociedade e da Política, não se restringindo ao Direito. (LEITE, 2010, p. 169).
[16] O domínio da proteção do ambiente revela-se igualmente um domínio revelador da <<destemporalização>>. Sabemos agora bem que os nossos modos de consumo e de produção, os nossos modos de transporte e as nossas formas de ocupar o espaço agravam as tensões entre o tempo curto dos ritmos industriais e o tempo longo da incubação natural, multiplicando assim as <<bombas-relógio>>, cujo efeito repercute nas futuras gerações. (OST, 1999, p. 40).
[17] Cuida-se da proposta formulada pelo Professor Vieira de Andrade, da Universidade de Coimbra, que, entre outros aspectos a serem analisados, identifica os direitos fundamentais por seu conteúdo comum baseado no princípio da dignidade da pessoa humana, que, segundo sustenta, é concretizado pelo reconhecimento e positivação de direitos e garantias fundamentais. Posição semelhante foi, recentemente, adotada na doutrina pátria, sugerindo que o princípio da dignidade da pessoa humana, expressamente enunciado pelo art. 1?, inc. III, da nossa CF, além de construir o valor unificador de todos os direitos fundamentais, que, na verdade, são uma concretização daquele princípio, também cumpre função legitimatória do reconhecimento de direitos fundamentais implícitos, decorrentes ou previstos em tratados internacionais, revelando, de tal sorte, sua íntima relação com o art. 5?, § 2?, de nossa Lei Fundamental. Cuida-se de posições exemplificativamente referidas e que expressam o pensamento de boa parte da melhor doutrina, de modo especial no que tange à íntima vinculação entre o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais. Embora não seja nossa intenção adentrar aqui de forma aprofundada o fascinante exame que sem dúvida merece o princípio da dignidade da pessoa humana, já que apontar, no mínimo, para a circunstância de que a tese enunciada, no sentido de que todos os direitos fundamentais encontram sua vertente no princípio da dignidade da pessoa humana e de que este – justamente por este motivo – pode ser tido como elemento comum à matéria dos direitos fundamentais, merece ser encarada, ao menos de início, com certa reserva. Em primeiro lugar, parece oportuna a menção – de modo especial à luz de nosso direito constitucional positivo – de que se revela no mínimo passível de discussão a qualificação do princípio da dignidade da pessoa humana, considerado em si mesmo, como um autêntico direito fundamental autônomo, em que pese sua importante função, seja como elemento referencial para a aplicação e interpretação dos direitos fundamentais (mas não só destes), seja na condição de fundamento para a dedução de direitos fundamentais decorrentes. (SARLET, 2009, p. 95).
[18] A suposta imprecisão do conceito de sustentabilidade sugere que não há ainda hegemonia estabelecida entre os diferentes discursos. Os ecólogos parecem mal posicionados para a disputa em um terreno enraizado pelos valores do produtivismo fordista e do progresso material. A visão sociopolítica tem se restringido ao esforço de ONGs, mais especificamente na atribuição de precedência ao discurso da equidade, com ênfase ao âmbito das relações internacionais. O discurso econômico foi o que, sem dúvida, melhor se apropriou da noção até aqui [...].