ESTUDIOS  

DANO AMBIENTAL: A RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL NO BRASIL
ENVIRONMENTAL DAMAGE: THE CIVIL LIABILITY IN BRAZIL

   


Luciana Fernandes Berlini [*]


 

Resumo: A análise do dano ambiental no Brasil e sua consequente responsabilização é fundamental para a compreensão dos rumos do Direito Ambiental no Brasil e no mundo. Isso porque, é cada vez maior a demanda por recursos naturais face ao crescimento econômico. Nessa perspectiva, o desenvolvimento sustentável apresenta-se como a medida desse crescimento e o parâmetro sempre presente de que não se pode obstaculizar o desenvolvimento. Nesse sentido, a sustentabilidade tem como respaldo, sem prejuízo dos demais institutos do Direito Ambiental, a responsabilidade civil, como ferramenta de combate e limite ao dano ambiental, de forma a reparar o dano causado, mas, principalmente como mecanismo hábil a evitar a ocorrência desse dano.


Abstract: The analysis of the environmental damage in Brazil and its consequent liability is fundamental to the understanding the course of Environmental Law in Brazil and worldwide. This is because the demand for natural resources face to economic growth is continuously increasing. In this perspective, sustainable development presents itself as the measure of this growth and the ever-present parameter that can not hinder development. In this sense, sustainability has as support, without prejudice to other Environmental Law institutes, the civil liability as a fighting tool and limit the environmental damage in order to repair the damage and mainly as a skilled mechanism to prevent the occurrence of that damage.



Introdução

O estudo da responsabilidade civil para os danos causados ao meio ambiente é um dos elementos fundamentais para a compreensão dos rumos pretendidos pelo Direito Ambiental moderno, que tenta acompanhar uma demanda desenfreada por recursos naturais em face ao crescimento econômico.

O desenvolvimento sustentável deve ser a medida desse crescimento e o parâmetro sempre presente de que não se pode obstaculizar o desenvolvimento, muito antes pelo contrário, o desenvolvimento social e econômico de uma nação são imprescindíveis, tanto para o próprio Estado, em relação aos demais, mas principalmente para o seu povo, representado por cada um de seus indivíduos.

Nesse sentido, a defesa que se faz no presente trabalho é que a sustentabilidade tem como respaldo, sem prejuízo de todos os demais institutos do Direito Ambiental, a responsabilidade civil, como ferramenta de combate e limite ao dano ambiental, de forma a reparar o dano causado, mas, principalmente como mecanismo hábil a evitar a ocorrência desse dano.

Promover um meio ambiente ecologicamente equilibrado, como pretende a Constituição é possível através de medidas que tenham o condão de impedir, ou ao menos evitar, a consumação de danos ao meio ambiente.

Possibilidade esta vislumbrada e fomentada pela responsabilidade civil, capaz de evitar que condutas danosas sejam praticadas, senão de forma consciente, ao menos pelo medo da responsabilização, que em relação à reparação do dano independe de culpa, como será abordado.

O estudo da responsabilidade civil ambiental como pressuposto constitucional à sustentabilidade é de fundamental importância para a perspectiva que pretende alcançar o Direito Ambiental, garantindo a cada um dos indivíduos o direito fundamental ao meio ambiente, como mecanismo de promoção não apenas desse indivíduo, mas também, das gerações presentes e futuras, em prol do desenvolvimento sustentável.



1  Perspectivas do Direito Ambiental no Brasil

A Constituição da República de 1988 é um marco na história do Brasil e, principalmente, do Direito Ambiental, tanto por representar de forma decisiva os anseios sociais, quanto por promover o Estado Democrático de Direito em prol do desenvolvimento sustentável.

No Brasil, a Constituição de 1988 é, ainda, a primeira a trazer um capítulo especial sobre o Direito Ambiental, dentro do título relacionado à Ordem  Social, o que indica que a interpretação relacionada à matéria ambiental deve levar em conta o aspecto social e não meramente o econômico.[1]

Mesmo duas décadas após sua promulgação, o Direito Ambiental, constitucionalmente previsto, encontra-se ainda em processo de real implementação, no paradigma do Estado Democrático de Direito, tendo os institutos jurídicos passado por uma releitura, de forma a se adaptarem à nova realidade trazida pela Constituição de 1988, na qual a dignidade da pessoa humana,  por exemplo, foi elevada a fundamento da República, o que alterou os rumos da responsabilidade civil ambiental.

Isso porque, a  Constituição brasileira influenciou diretamente a concepção do Direito Ambiental, fazendo com que as relações oriundas desse ramo do Direito deixassem de ser excessivamente patrimoniais ou exclusivas do Estado, de maneira que à pessoa, em consonância com sua dignidade, seja efetivamente garantido o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Dessa forma, a dicotomia entre a esfera pública e a privada perde a razão de ser, na medida em que o ordenamento jurídico faz da Constituição o centro de interpretação de todo o Direito e avança para a constitucionalização das normas infraconstitucionais.

Exatamente por isso, devem servir como esquema interpretativo para as relações ambientais, até porque, como será abordado, a norma que trata da responsabilidade civil ambiental é anterior à atual constituição.

O Direito Ambiental assim como as demais esferas do Direito têm hoje como limite e referência a Constituição da República de 1988, a uma por se tratar de uma constituição rígida, cujas normas são hierarquicamente superiores às demais, sendo critério de adequação de todo o sistema jurídico; a duas porque optou o Poder Constituinte Originário por incluir formalmente normas que substancialmente não são constitucionais, para garantir a proteção a esse direito, limitando o legislador infraconstitucional e servindo como esquema interpretativo na aplicação das normas ambientais.

Nesta seara, como foi dito anteriormente, no Direito atual, o indivíduo ganha papel de destaque, em detrimento do patrimonialismo, havendo, na verdade, a personalização das relações, com a preponderância da segurança jurídica, da proteção da vida e da garantia da dignidade da pessoa humana, seja através da interpretação, seja pela aplicação dos princípios relacionados à sustentabilidade ou função[2] dos institutos jurídicos.

A presença dos elementos sociais impregna o Direito de conotações próprias, eliminando os resquícios ainda existentes do individualismo e do formalismo jurídico, para submeter o Estado brasileiro a uma ordem baseada em valores reais e atuais, em que a justiça social é fim último da norma, equilibrando-se mais os diferentes interesses por ela regidos, à luz de uma ação estatal efetiva, inclusive como a instituição de prestações positivas e concretas por parte do Poder Público para a fruição pela sociedade dos direitos assegurados.[3]

Adotar os preceitos constitucionais, na resolução de conflitos, mesmo entre particulares, em consonância com a eficácia horizontal dos direitos fundamentais[4], foi a saída encontrada pelo ordenamento jurídico brasileiro, como também pelo Direito alienígena.

A conseqüência disso é que, o reconhecimento da incidência obrigatória das normas constitucionais no Direito Ambiental reflete não apenas uma tendência hermenêutica, mas a preocupação com a construção de uma ordem jurídica mais sensível aos problemas e desafios da sociedade contemporânea, entre os quais se encontra o desenvolvimento sustentável.

Observa-se, assim que :

No Direito do Ambiente, como também na gestão ambiental, a sustentabilidade deve ser abordada sob vários prismas: o econômico, o social, o cultural, o político, o tecnológico, o jurídico e outros. Na realidade, o que se busca, conscientemente ou não, é um novo paradigma ou modelo de sustentabilidade, que supõe estratégias bem diferentes daquelas que têm sido adotadas no processo de desenvolvimento, sob a égide de ideologias reinantes desde o início da Revolução Industrial, estratégias estas que são responsáveis pela insustentabilidade do mundo de hoje, tanto no que se refere ao planeta Terra quanto no que interessa à família humana em particular. Em última análise, vivemos e protagonizamos um modelo de desenvolvimento autofágico que, ao devorar os recursos finitos do ecossistema planetário, acaba por devorar-se a si mesmo.[5]

É difícil imaginar, portanto, no direito atual um interesse particular que se desvincule em absoluto do interesse público, ou ao contrário, um interesse público, que em última instância não pretenda resguardar interesses individuais e promover a dignidade da pessoa humana.

O que se percebe, em alguns aspectos, é a preponderância de interesses privados, outras vezes, a preponderância dos interesses públicos, que nunca estão dissociados.

Com isso, a dicotomia Direito Público e Direito Privado está mitigada, tendo em vista que a clássica divisão entre interesse individual e coletivo se funde para proteger o cidadão como partícipe da sociedade e titular de um fundamental ao meio ambiente.


1.1. O princípio do desenvolvimento sustentável

A análise principiológica é imprescindível para o ordenamento jurídico e para aqueles que atuam no universo do Direito, uma vez que os princípios, como normas que são, influem, diretamente, na concepção das relações do Direito com a sociedade.

Tais concepções moldam as bases de aplicação e interpretação, bem como estabelecem os fundamentos para que se atenda as necessidades sociais. “A visão forte dos princípios jurídicos afasta a precedência hierárquica das regras, abrindo novas possibilidades de ajustar a solução normativa ao caso concreto.”[6]

Desse modo, o estudo do princípio do desenvolvimento sustentável demonstra a importância que a sustentabilidade atingiu na sociedade e sua adoção como norma constitucional,  já que os princípios são normas.

Dessa forma, para explicar a razão de ser dos princípios, mais especificamente, a teoria aqui adotada em sua conceituação e aplicação, mister se faz a menção ao texto do professor Marcelo Galuppo[7], que muito bem trata sobre o modo de aplicação dos princípios, ora utilizado para explicar a conseqüência de se tratar o desenvolvimento sustentável como princípio.

Nessa esteira, aponta-se que a hermenêutica utilizada neste trabalho, para fins de aplicação do princípio ora estudado e dos que ainda serão mencionados, baseia-se na doutrina de Junger Habermas e Ronald Dworkin, na qual a condição de aplicação dos princípios não é predeterminada, devendo ser aplicado, o princípio mais adequado ao caso concreto, sem que haja hierarquia.[8]

Assim, principio é concebido como norma cuja condição de aplicação não é predeterminada, o que retira o aspecto axiológico que poderia se dar aos princípios, uma vez que não há hierarquia nem ponderação de valores para se determinar qual princípio se aplica a determinado caso concreto em uma possível concorrência entre os mesmos.

Desse modo, no tocante ao princípio do desenvolvimento sustentável sua previsão constitucional se infere da redação do artigo 225, pela imposição ao Poder Público e à coletividade do dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.

A noção de desenvolvimento sustentável, no entanto, pode ser atribuída ao relatório Brundtland, documento publicado em 1987, como “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”.[9]

Embora a terminologia desenvolvimento sustentável tenha surgido em 1972, em Estocolmo, na Conferência Mundial de Meio Ambiente.

Verifica-se, então que “tudo o que puder seriamente ocasionar o esgotamento dos bens ambientais em prejuízo da atual geração ou somente da futura geração é inconstitucional.”[10]

O desenvolvimento sustentável, enquanto princípio jurídico tem como grande desafio conciliar o desenvolvimento econômico e social e, ao mesmo tempo, garantir a preservação do meio ambiente.

Como salienta Celso Antônio Pacheco Fiorillo:

Devemos lembrar que a idéia principal é assegurar existência digna, através de uma vida com qualidade. Com isso, o princípio não objetiva impedir o desenvolvimento econômico. Sabemos que a atividade econômica, na maioria das vezes, representa alguma degradação ambiental. Todavia, o que se procura é minimizá-la, pois pensar de forma contrária significaria dizer que nenhuma indústria que venha a deteriorar o meio ambiente poderá ser instalada, e não é essa a concepção apreendida do texto. O correto é que as atividades sejam desenvolvidas lançando-se mão dos instrumentos existentes adequados para a menor degradação possível.[11]


Para tanto, demanda “exploração equilibrada dos recursos naturais, nos limites da satisfação das necessidades e do bem estar da presente geração, assim como de sua conservação no interesse das gerações futuras.”[12]

A partir dessa noção é que surge a aplicação da proteção ao meio ambiente como forma de garantir o desenvolvimento sustentável, coibindo e responsabilizando o sujeito ativo do dano ambiental.


1.2 O meio ambiente como direito fundamental

A natureza jurídica do direito ambiental é de direito fundamental, tendo em vista sua previsão no artigo 225 da Constituição da República de 1988.

Tradicionalmente, os bens do homem vêm sendo protegidos tanto pelos efeitos reflexos do direito objetivo como pelo direito subjetivo, sendo suas naturezas diversas. Os bens que aqui nos interessam, são aqueles inerentes à pessoa humana, a saber: a vida, a liberdade e a honra, entre outros.[13]

No entanto, para que essa fundamentação não fique simplória demais é preciso esclarecer que os direitos fundamentais são estabelecidos pela Constituição e distinguem-se dos direitos de personalidade no tocante ao seu aspecto formal, visto que, com relação ao seu aspecto material, direitos humanos (direitos internacionalmente previstos), direitos fundamentais (direitos previstos na Constituição) e direitos de personalidade (trazidos pela legislação ordinária) se confundem, tendo em vista que tratam dos direitos do homem, considerados como centros de imputação de normas jurídicas, para fins de Direito.

O papel da pessoa (biológica) é directo, desde logo, na própria dogmática; tende a haver uma correspondência entre ela e os centros de imputação de normas jurídicas, directa ou instrumentalmente, em moldes que, com facilidade, se deixam antever. Todavia, isso não faculta qualquer instituto: a presença de um centro de imputação de normas não equivale, por si, a qualquer modelo de decisão. Mas para além desse (e de muitos outros) aspectos genéricos, a pessoa (biológica) conduz ao aparecimento de verdadeiros institutos, portanto a conjuntos articulados de normas e de princípios que permitam a figuração de modelos de decisão típicos.[14]

Assim, evidenciado está que os direitos fundamentais desdobram-se em diversas outras esferas do direito, como o Direito Ambiental. Na medida em que esses direitos, constitucionalmente previstos, referem-se aos direitos relacionados à pessoa e ao exercício de sua dignidade.

Cabe mencionar ainda que, diferentemente da dimensão subjetiva dos direitos fundamentais, sua aplicação também pode ocorrer nas relações privadas, no que se entende hoje como eficácia horizontal dos direitos fundamentais, motivo pelo qual ao falar do dano ambiental e sua conseqüente reparação, podem e devem ser utilizadas normas constitucionais.

Nesse sentido a lição de José Afonso da Silva:

Temos dito que o combate aos sistemas de degradação do meio ambiente convertera-se numa preocupação de todos. A proteção ambiental, abrangendo a preservação da natureza em todos os seus elementos essenciais à vida humana e à manutenção do equilíbrio ecológico, visa a tutelar a qualidade do meio ambiente em função da qualidade de vida, como uma forma de direito fundamental da pessoa humana.[15]


Resta claro que conceber o meio ambiente como direito ambiental é prerrogativa para sua proteção e promoção, devendo ser invocado por todo aquele que sinta ameaçado ou lesado em relação a esse direito.


2 Responsabilidade Civil por Dano Ambiental


Para tratar da responsabilidade civil ambiental é preciso recorrer ao Direito Privado e à toda fundamentação trazida pela teoria geral da responsabilidade civil, mesmo tendo, referida responsabilidade, características próprias e aplicação distinta, como será demonstrado.

O fundamento constitucional para a responsabilização está previsto no artigo 225 da Constituição da República de 1988, em seu parágrafo terceiro, cumulando a responsabilidade penal, administrativa e civil:

§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

A mencionada obrigação de reparar os danos ambientais é especificamente tratada pela Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 6938/81), que foi recepcionada pela atual constituição, estabelecendo, entre outras disposições que:

Art 14 -  § 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

O tratamento legal dado à responsabilidade civil ambiental, como visto, independe de culpa, utilizando, portanto, a teoria geral da responsabilização objetiva,  motivo pelo qual são trazidos os pressupostos basilares para a compreensão do tema.

Inicia-se a temática pelo conceito do doutrinador Sérgio Cavalieri Filho que, de forma simples, mas precisa, define a responsabilidade:

Em seu sentido etimológico, responsabilidade exprime a idéia de obrigação, encargo, contraprestação. Em sentido jurídico, o vocábulo não foge dessa idéia. Designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um dever jurídico. Em apertada síntese, responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário.[16]

Opta-se no presente artigo, por trabalhar a responsabilidade ambiental tão somente no seu aspecto civil, como a única forma de reparação do dano. Acredita-se, outrossim, que a responsabilidade civil ambiental pode atuar de forma eficaz e menos gravosa no tocante à promoção do desenvolvimento sustentável.

Feita a observação, interessa aqui a responsabilidade civil ambiental, cujo fato gerador é a lesão ao patrimônio ambiental, tendo em vista que o dano ambiental caracteriza-se como uma conduta que contraria a norma jurídica, dentro da noção de ato ilícito.

O ato ilícito, portanto, é sempre um comportamento voluntário que infringe um dever jurídico, e não que simplesmente prometa ou ameace infringi-lo, de tal sorte que, desde o momento em que um ato ilícito foi praticado, está-se diante de um processo executivo, e não diante de uma simples manifestação de vontade. Nem por isso, entretanto, o ato ilícito dispensa uma manifestação de vontade. Antes, pelo contrário, por ser um ato de conduta, um comportamento humano, é preciso que ele seja voluntário, como mais adiante será ressaltado. Em conclusão, ato  ilícito é o conjunto de pressupostos da responsabilidade.[17]

Essa a noção de ato ilícito trazida pelo Código Civil, no artigo 186, ao estabelecer que, comete ato ilícito aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano, ainda que exclusivamente moral.

Conjuga-se o artigo 186 com o artigo 927, também do Código Civil, que determina que, aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Essa a fórmula da responsabilidade civil, mas que para o Direito Ambiental elimina a necessidade de perquirição de culpa, por se tratar de responsabilidade objetiva.

Constata-se, assim, que a finalidade precípua da responsabilidade civil é restabelecer o status quo ante, de forma a reparar ou compensar o dano suportado pela vítima, mas, especificamente na responsabilidade ambiental, a preocupação é também garantir que o dano não ocorra, pois o objetivo principal do Direito Ambiental é a prevenção.

Isso porque, conforme princípio norteador do Direito Ambiental, princípio do poluidor pagador[18], a grande preocupação em prol do desenvolvimento sustentável é evitar que o dano ocorra.

Dessa forma, a adoção da responsabilidade objetiva pelo Direito Ambiental tem o condão de não apenas reparar o dano, independentemente da culpa de quem o tenha causado, mas também de evitá-lo, tendo em vista que, se independe de culpa, é preciso prevenir, evitar que ele ocorra.

Ademais, só a responsabilização ambiental, no âmbito civil é que independe de culpa, devendo necessariamente ser demonstrada para ensejar a responsabilidade penal e administrativa, corroborando, mais uma vez, a importância de se estudar a perspectiva civil do tema.

Compreende-se, assim, que a necessidade de a lei especificar as hipóteses em que a culpa não será cogitada para ensejar responsabilização demonstra a natureza de exceção pretendida pelo legislador ao tratar da responsabilidade objetiva.[19]

A preocupação, hodiernamente, funda-se muito mais na lesão ao direito do outro, com a ocorrência e previsibilidade do dano e com a reprovação do cometimento de um ato ilícito que, propriamente, em investigar a intenção do poluidor (sujeito causador do dano ambiental).

Tanto é que a culpa, para o Direito Civil, deve ser tratada objetivamente, como sendo uma ação ou omissão contrária ao próprio Direito, capaz de causar um dano, como pretende estabelecer a norma civil ao conceituar o ato ilícito.

Quem aborda o tema com propriedade é Anderson Schreiber, ao atentar para o fato de que

a noção teórica de culpa deixa de ser vista de forma tão rigorosa pelas cortes. Suas presunções vão se aplicando de forma cada vez mais tranqüila, e a avaliação negativa do comportamento subjetivo vai, gradativamente, passando de fundamento da responsabilização para um elemento ou aspecto do complexo juízo de responsabilidade.[20]

A culpa presumida aparece, então, como a transição entre a responsabilidade subjetiva e a objetiva, mas não pode se confundir com a última, pois, na responsabilidade objetiva não se verifica a existência da culpa, apenas a ocorrência do dano em uma relação de causalidade.

Exatamente por isso, é que a responsabilidade ambiental, na esfera civil, não pode ser confundida com a culpa presumida, em que há a mera inversão do ônus probatório, ao revés, ocorrendo o dano ambiental surge para o agente o dever de repará-lo, pouco importando se a ocorrência se deu por negligência ou imprudência.

Seguindo a fórmula, portanto, tem-se como primeiro requisito a ensejar a responsabilidade civil ambiental o  dano, já que a culpa é excluída da responsabilidade ambiental,  que corresponde ao prejuízo causado a outrem em decorrência de uma diminuição ou destruição do bem jurídico alheio.

Para ser reparável, o dano deve ser certo, decorrente de fato preciso, não em possibilidade remota, ainda que seja um dano futuro, mas desde que suscetível de avaliação razoável, para que possa ser reparado ou compensado. Podendo, ainda, ser um dano de natureza patrimonial.

Esta a regra preconizada e abaixo confirmada de que a todo aquele que causa dano a outrem é obrigado a repará-lo.

Para realizar a finalidade primordial de restituição do prejudicado à situação anterior, desfazendo, tanto quanto possível, os efeitos do dano sofrido, tem-se o direito empenhado extremamente em todos os tempos. A responsabilidade civil é reflexo da própria evolução do direito.[21]


Sem a prova do dano ambiental, portanto, ninguém poderá ser responsabilizado civilmente, tendo em vista que a inexistência do dano é óbice à pretensão de uma reparação, por não haver objeto.

Por último, é necessário o nexo de causalidade como requisito desencadeador da responsabilidade civil.

A relação de causalidade consiste na ligação entre a ação ou omissão do poluidor e o resultado danoso. É o liame subjetivo necessário entre o evento danoso e a ação que o produziu, de forma que se o dano não foi causado pela ação/omissão de quem se pretende responsabilizar, não há que se falar em responsabilidade do mesmo. Conforme se depreende da lição abaixo:

O conceito de nexo causal, nexo etiológico ou relação de causalidade deriva das leis naturais. É o liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável. A responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas nunca dispensará o nexo causal. Se a vítima, que experimentou um dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida. Nem sempre é fácil, no caso concreto, estabelecer a relação de causa e efeito.[22]


No entanto, o nexo causal está presente, ainda que o resultado danoso seja causado mediatamente pelo agente. Necessário é que, se demonstre que o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido, de tal forma que ainda que a conduta do agente não seja a causa primeva do evento danoso, sendo apenas a condição, o agente será o responsável.

Cumpre esclarecer que como conseqüência da objetivação da responsabilidade civil no plano ambiental, não há que invocar as excludentes de responsabilidade, como por exemplo, o caso fortuito e a força maior, haja vista que “o dever de reparar independe da análise de subjetividade do agente e, sobretudo, é fundamentado pelo só fato de existir a atividade da qual adveio o prejuízo.[23]

Desta feita, quanto aos pressupostos para se imputar a responsabilidade civil ambiental, é preciso demonstrar a ocorrência do dano e o nexo de causalidade. Este último caracterizado como o liame subjetivo entre a conduta do agente e o dano causado à vítima.

Cabe esclarecer, que a responsabilidade civil no plano ambiental não necessita de novos instrumentos jurídicos, ou legislação específica, pois os fundamentos jurídicos da teoria geral do instituto da responsabilidade civil orientam e resolvem a reparação dos danos ambientais.

Daí a necessidade de analisar seus elementos e pressupostos, como foi feito,  conjugando-os com os princípios próprios do Direito Ambiental, que contemplam regra específica para a reparação desses danos ocorridos na esfera ambiental.

 

Considerações Finais

A noção de cuidado e preservação dos recursos naturais deve estar amparada pela sustentabilidade,  que se norteia na tríade: desenvolvimento econômico, humano e ambiental.

Nesse sentido, a responsabilidade civil na esfera ambiental é uma importante arma nessa busca pela sustentabilidade.

Fica evidente que o possível poluidor, ao se deparar com a responsabilização objetiva na reparação do dano, evita, ou ao menos tenta impedir que ele ocorra, porque de forma consciente ou receosa, sabe que arcará com as conseqüências desse dano ambiental.

Assim, como mecanismo de prevenção e não apenas de reparação, a análise da responsabilidade civil ambiental corrobora a noção fundamental de todo o Direito Ambiental, que consiste na busca pela proteção do meio ambiente, com respaldo no princípio do poluidor pagador.

A sustentabilidade, por sua vez, que demanda a conscientização de todos, poder público, sociedade, consumidor, empresário etc, também se apóia nas normas que tratam da reparação do dano ambiental, como subsídio coibidor do evento danoso.

E a jurisprudência caminha para esse sentido, determinando a reparação do dano ambiental de forma a voltar o status quo ante, mas também levando em consideração o caráter preventivo e punitivo dessa reparação.

Isso porque, a reparação serve também como exemplo, para que o poluidor e todos aqueles que tomem conhecimento da aplicação da responsabilização ambiental temam uma condenação.

Assim, a responsabilidade civil, modernamente considerada, é aquela que se destina não apenas a apagar o fogo, mas antes de tudo a criar meios de prevenir a ocorrência desses danos, como foi trabalhado ao longo do artigo.

 

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NOTAS
[*] Pós Doutoranda em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Mestre e Doutora em Direito Privado pela PUC/Minas. Professora Adjunta da Universidade Federal de Lavras. Professora do curso de Pós Graduação em Dano Corporal pela Universidade de Coimbra/POR.
[1] Nesse sentido: SIRVINSKAS, Luís Paulo. Tutela Constitucional do Meio Ambiente. São Paulo: Saraiva, 2008. p.58.
[2] Explica PERLINGIERI que, a função é a síntese causal do fato, a sua profunda e complexa razão justificadora: ela refere-se não somente à vontade dos sujeitos que o realizam, mas ao fato em si, enquanto social e juridicamente relevante. A razão justificadora é ao mesmo tempo normativa, econômica, social, política e por vezes também psicológica. PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: Introdução ao Direito Civil Constitucional; trad. de: Maria Cristina de Cicco. 1 ed., rev. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.
[3] Este o posicionamento de BITTAR, Carlos Alberto; BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Direito civil constitucional. 3ª ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 27.
[4] Para aprofundamento do tema, recomenda-se a leitura de SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
[5] MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 5ª ed. atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p.70.
[6] LIMA, Taisa Maria Macena de. Princípios Fundantes do Direito Civil Atual. In NAVES, Bruno Torquato de Oliveira; FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima Freire de. Direito civil: atualidades. – Belo Horizonte: Del Rey: 2003. p.257.
[7] GALUPPO, Marcelo Campos. Os princípios jurídicos no Estado Democrático de Direito: ensaio sobre o modo de sua aplicação. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 143, ano 36, jul/set 1999.
[8] Para um maior conhecimento das teorias que explicam a aplicação dos princípios jurídicos e a teoria aqui adotada, recomenda-se a leitura de: CHAMON JUNIOR, Lúcio Antônio. Filosofia do direito na alta modernidade: incursões teóricas em Kelsen, Luhmann e Habermas. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. GALUPPO, Marcelo Campos. Os princípios jurídicos no Estado Democrático de Direito: ensaio sobre o modo de sua aplicação. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 143, ano 36, jul/set 1999.
[9] ALMEIDA, Fernando. Os desafios da sustentabilidade. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. 11) MACHADO, Paulo Affonso Leme. Estudos de Direito Ambiental. 11ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. p. 47.
[10] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Estudos de Direito Ambiental. 11ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. p. 47.
[11] FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.36.
[12] SILVA. José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007. p. 26-27.
[13] SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela. 2 ed. Ver., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.
[14] CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil Português. 3ª ed. V.1. T.1. Coimbra: Editora Almedina, 2005.
[15] SILVA. José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007. p. 58.
[16] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 24.
[17] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 34.
[18] Este princípio constitui “o fundamento primário da responsabilidade civil em matéria ambiental”. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 5ª ed. atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 899.
[19] Noção depreendida do comando legal do parágrafo único, do artigo 927, do atual Código Civil, que estabelece que haverá obrigação de reparar o dano independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
[20] SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. São Paulo: Atlas, 2007. p. 48.
[21] DIAS, José de Aguiar. Da irresponsabilidade civil. 11 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 25.
[22] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. vol. 4. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 45.
[23] MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 5ª ed. atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 906.