ESTUDIOS  
DIREITO PENAL E AMBIENTAL: Uma necessária interlocução
CRIMINAL LAW AND ENVIRONMENTAL: A necessary dialogue

   
Tarcísio Maciel Chaves de Mendonça [*]
Maraluce Maria Custódio [**]



Resumo:
O presente artigo busca analisar como a lei de crimes ambientais inseriu a perspectiva penal na proteção ambiental, demonstrando que como o espírito inicial era de criar uma garantia legal da proteção administrativa, a lei acaba por desvirtuar preceitos básicos de Direito Penal, também constitucionalmente protegidos. E que, no fim, acaba por não garantir seu fulcro inicial de proteger o meio ambiente na medida em que faz uso de um Direito Penal meramente simbólico.

Palavras chave: direito penal ambiental; lei 9605/98; direito ambiental; direito penal



Abstract:
This paper analyzes how the law 9605/98 inserted the criminal perspective in environmental protection. Showing that as the initial spirit was to create a legal instituted administrative protection, the law ultimately distorting basic principles of criminal law, also constitutionally protected. And that in the end it ends up not guarantee its initial fulcrum to protect the environment in that it makes use of a Criminal Law merely symbolic.

Keywords: environmental criminal law; Law 9605/98; environmental law; criminal law.


1. Introdução

A proteção penal do meio ambiente foi constitucionalizada em 1988. A questão foi especificamente tratada no art. 225 §3º da Constituição da República. No plano infraconstitucional, a proteção penal do meio ambiente ficou a cargo da lei 9.605/98. A denominada lei de crimes ambientais que transformou em crime uma gama de atos que, inicialmente, nem infrações eram considerados.

O projeto de lei inicial buscava garantir legalmente a atuação administrativa dos órgãos ambientais, especialmente os federais, tendo por perspectivas: regular o procedimento administrativo e de penalizar com multas e outras formas os atos danosos ao meio ambiente. O senado federal viu, no projeto de lei, aprovado sem modificações pela Câmara dos deputados, a possibilidade de proposição de cumprir a imposição constitucional de proteger penalmente o meio ambiente, e assim o fez, criando a lei de crimes ambientais. Em que pede a designação, as questões tratadas pela Lei 9605/98 transcendem a matéria penal cuidando também do procedimento administrativo e regulamentando a cooperação internacional de proteção do meio ambiente.

O presente artigo busca analisar como a lei de crimes ambientais inseriu a perspectiva penal na proteção ambiental, demonstrando que como o espírito inicial era de criar uma garantia legal da proteção administrativa, a lei acaba por desvirtuar preceitos básicos de Direito Penal, também constitucionalmente protegidos. E que, no fim, acaba por não garantir seu fulcro inicial de proteger o meio ambiente na medida em que faz uso de um Direito Penal meramente simbólico.

A discussão de tal ponto é essencial, pois nos debates entre os autores para a construção do artigo conjunto que ora se configura, ficou clara a diferença de visão propalada pelo Direito Ambiental e Direito Penal sobre a questão penal ambiental. Acabando por demonstrar que não há um dialogo entre estas áreas de forma a garantir a interdisciplinaridade, necessária para efetivar a proteção do bem difuso ou metaindividual que é o meio ambiente de forma a preservar os princípios basilares do Direito Penal.

Objetiva-se assim propor ideias que, inicialmente, propiciem o diálogo efetivo do Direito Penal com o Direito Ambiental, de forma a compreender, na perspectiva de unicidade do direito de Ronald Dworkin (1999) e na teoria, também por ele defendida da constituição como principiológica, onde os princípios têm o mesmo status e peso, devendo ser apenas sopesados na aplicação do direito no caso real, de forma a continuar a construção histórica dos precedentes. Para tal analise utilizar-se-ão os métodos indutivo e dedutivo e a técnica a bibliográfica de estudo para comprovação da teoria aventada.

Iniciar-se-á o presente artigo com as definições de interdisciplinaridade e a teoria dworkiana de direito, base argumentativa para demonstrar a possibilidade de análise conjunta e interação das áreas. Para, posteriormente, compreender os preceitos básicos de Direito Penal e seu bem protegido e, em seguida, os preceitos básicos de direito ambiental e seu bem protegido. Enfim, analisar-se a lei de crimes ambientais para, por fim, concluir com considerações gerais sobre a relação das duas áreas.

2. Interdisciplinaridade e Teoria Dworkiana de Constituição principiologica na análise da relação entre Direito Penal e Ambiental
É sabido e recorrente que direito é um termo multifacetário, definido por várias correntes. E, em cada uma, a visão deste termo varia, e, a interpretação adotada exerce influência sobre o que se escreve baseado nela.

Adota-se, aqui, a corrente construtivista para definir o termo direito, tendo como marco a doutrina dworkiana. Ao traduzir-se a teoria dworkiana, para o tema que aqui se pretende tratar, percebe-se que o essencial é que as normas devem ser interpretadas pelo foco dos princípios da constituição vigente ao momento de sua aplicação (Constituição principiológica), refletindo a moral da comunidade (Coerência Moral) naquele momento histórico ( Integridade histórica) , partindo-se sempre do pressuposto que o Direito é um bloco único de normas. (DWORKIN, 1999).

A constituição principiológica para Dworkin é um sistema jurídico constituído por princípios e regras. As regras são “aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada [sic]” (DWORKIN, 2002, p.39) e se excluem ao se contradizerem – uma com a outra - com o apresenta o próprio autor “se duas regras entram em conflito uma delas não pode ser válida.” (DWORKIN, 2002, p.43) O que significa que não há discussão nem interpretação sobre a regra, ou ela é aplicável ao caso ou não.

Já o princípio é “[...] um padrão que deve ser observado [...], porque é uma exigência da justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade.” (DWORKIN, 2002, p.36). O princípio conduz o argumento para uma direção, que, entretanto, não é obrigatória. E a sua aplicação, portanto, pode ser realizada juntamente com outro e ao fazê-lo não existe exclusão, e sim, o melhor a ser aplicado naquele caso específico. O que se quer dizer com isso? Que os princípios não se excluem diretamente, eles podem conviver em uma mesma decisão, ou apenas ter um valor maior que o outro naquele momento e caso específicos. A constituição, segundo a teoria dworkinana, traz os princípios jurídicos que devem ser levados em consideração na análise e decisão dos casos, bem como fundamenta as regras criadas (leis, decretos, portarias, e outros.)

Estes princípios, entretanto, são analisados não segundo a intenção dos “fundadores” – autores da constituição – mas, de acordo com a moral social do momento da aplicação, ou seja, eles são interpretados de acordo com o momento histórico, pois se assim não fosse, uma constituição tão antiga como a americana, por exemplo, ainda permitiria a escravidão e as mulheres não teriam nenhuma espécie de direitos civis ou políticos.

A Integridade Histórica segundo Dworkin (1999) significa que ao dar a decisão em um caso, o juiz deve analisar as decisões históricas sobre aquele tema ou que tenham alguma espécie de nexo, e decidir o caso com base nas ideias ali emandas, dando continuidade ao pensamento apresentado naqueles.

Por fim a Coerência com a Moral Política significa que o juiz deve ter atenção à moral vigente à época de aplicação do Direito. A decisão deve refletir e ser coerente com a comunidade, em que está sendo aplicada, de forma que os membros desta vejam como justo, equânime e que respeite o devido processo legal nela adotado. Assim, ao dizer o que é o direito, o juiz deve ter uma “coerência de princípios na horizontal” (DWORKIN, 1999, p 273), ou seja, observar as normas morais que vigoram naquela comunidade naquele momento histórico. Assim, deve-se compreender que o direito não está separado da moral até certo ponto, pois a interpretação histórica exige que se faça o melhor que se pode. Ou seja, a decisão é mais que a aplicação da norma, é a leitura e interpretação desta com as lentes do momento.

A divisão do direito em várias áreas é dominante nos estudo e prática jurídica. E isso dificulta a aplicação das decisões históricas, e, portanto, da integridade histórica do direito, pois o juiz não poderá utilizar-se de uma jurisprudência de outra área do direito que não seja a que o caso em questão foi colocada e quando duas áreas se encontram em pesos iguais para dar a decisão, se não houver uma relação interdisciplinar de formação do conhecimento, não haverá do entendimento jurídico, ele aplicará uma área e acaba por ignorar a outra . Dworkin (1999, p.301) assim defende que

Seu espírito geral [da integridade] os [ramos do direito] condena, pois o princípio adjudicativo de integridade pede que os juízes tornem a lei coerente como um todo, até onde lhes seja possível fazê-lo, e isso poderia ser mais bem-sucedido se ignorassem os limites acadêmicos e submetessem alguns segmentos do direito a uma reforma radical, tornando-os mais compatíveis em princípio com outros.


Por isso, neste trabalho se utiliza a teoria Dworkiana, porque ela permite uma interdisciplinaridade.

A interdisciplinaridade como é sabido, é figura razoavelmente nova. No início, o conhecimento era uno, o estudioso na época antiga era conhecedor do todo. A partir de Descartes que temos a compartimentalização do conhecimento, a segmentação das ideias. E é na atualidade que buscamos por em contato conhecimentos e ideias que parecem tão distintas, mas, que ao juntar veem se tão próximas. Essa junção pode dar-se de várias formas, sendo: Multidisciplinaridade, Pluridisciplinaridade, Transdisciplinaridade e interdisciplinaridade. A interdisciplinaridade é uma das questões de base do presente artigo porque ela forma um sistema onde há coordenação e cooperação entre as diversas disciplinas conexas. (GUSTIN; DIAS, 2001), como é o caso dos direitos penal e ambiental para proteção do meio ambiente.



3. Direito Ambiental
O Direito Ambiental é “um direito moderno[1] se volta para a regulação de condutas futuras, sendo lhe inerente à assunção de risco do eventual descumprimento de suas normas.” (CARVALHO NETTO, 199], p.47). Isso se deve ao fato de ele subverter um pouco a ordem de inserção social da norma, por ter que proteger um elemento – meio ambiente – sobre o qual não se sabe o que acarretará no futuro, caso seja protegido, aplicando-se, assim, o Princípio da Precaução[2] que é inerente ao Direito Ambiental, como será visto.

Como campo novo, o Direito ambiental surge na década de 70 tendo como Marco inicial a Convenção de Estocolmo de 1972. Por ser ciência autônoma, o Direito Ambiental possui princípios próprios para uma política global do meio ambiente que se estabeleceram com a Convenção de Estocolmo de 1972 e foram ampliados pela Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 (FIORILLO, 2009) e tem objeto próprio que é o bem ambiental ou meio ambiente em si. Mas ele burla um pouco esta noção de autônomo, pois não é setor estanque, e sim que une, perpassa, coordena, sendo dependente dos outros ramos do direito. Mas definir-se-á este como autônomo, apenas pela ideia difundida deste termo, que significa ter seus princípios próprios, métodos de implementação e legislação própria para que este não conste como parte de outro ramo, tradicional, do direito que o cercearia em sua amplitude.

Ele surge para impor normas no relacionamento do ser humano com o meio ambiente, onde foi constatada a degradação que aquele realizava neste, pondo em risco a vida, a qualidade dela e a extinção de recursos ambientais. E se desenvolve e se modifica junto com as próprias concepções de proteção do meio ambiente e do próprio meio ambiente.

Diferencia-se dos ramos tradicionais por proteger interesses metaindividual que supera os direitos individuais e coletivos; por perpassar horizontalmente todos os outros ramos jurídicos e por se inter-relacionar interdisciplinarmente com outras ciências não jurídicas.

Em última instância, segundo a constituição brasileira de 1988,o direito ambiental está relacionado ao direito à vida, à qualidade de vida, para a qual é essencial. Modificando a noção de direito à vida que passa a ter um sentido mais amplo que o inicial no período liberal. Este é direito fundamental e base da democracia brasileira, donde se supõe que sem a proteção ao meio ambiente não há que se falar em democracia, pois, sem ele não se efetiva o direito à vida.

Assim, o constituinte[3] no artigo 225 da Constituição Federal de 1988 definiu claramente como bem jurídico do direito ambiental o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Ao trazer o tema meio ambiente perpassando toda a Constituição, compreende-se que não há como conceber às penas a aplicação das normas de forma isolada, mas vê-se a intenção de interpretar a Constituição em sua completude comprovando a necessidade de aplicação da teoria de Dworkin (1999).

Dito isto, tem-se que os recursos ambientais, ainda que pertencentes a particulares, não são disponíveis em suas qualidades ambientais, vez que estas são inseparáveis do bem comum: meio ambiente ecologicamente equilibrado. As atividades então devem ser reguladas pelo Estado para proteger este bem comum, mas ele também deve cumprir tal preceito.

Nesse sentido, a natureza jurídica do bem ambiental assume uma modalidade de bem vinculada aos direitos de terceira geração na definição de Bobbio (1992), o que o diferencia dos outros tipos de recursos. Primeiro porque se separa da clássica divisão entre bens públicos e privados, vez que este bem não está na disponibilidade particular de ninguém, Isto é, por ser bem pertencente a cada um e, ao mesmo tempo, a todos, em função dos interesses transindividuais (sadia qualidade de vida e dignidade da pessoa humana) que incidem sobre este, tem-se que os titulares do bem ambiental são indeterminados. Segundo, por causa de sua indivisibilidade já que o bem ambiental é de natureza indivisível, como expõe Milaré (2009), vez que qualidade de equilíbrio ecológico não pode ser individualizada, perpassando o interesse de todos.

A isso acrescente se a definição de dano ambiental que como identifica José Rubens Morato Leite (2000, p.108) é

[...] toda lesão intolerável causada por qualquer ação humana (culposa ou não) ao meio ambiente, diretamente, como macro bem de interesse da coletividade, em uma concepção totalizante, e indiretamente a terceiros, tendo em vista interesses próprios e individualizáveis e que refletem no macro bem.

A partir destes entendimentos, verifica-se o duplo problema gerado pelo dano ambiental. Primeiro, ele fere o próprio bem ambiental difuso - macro bem, na definição de Leite (2000) para a qualidade do meio ambiente como um todo unitário e indispensável à vida – e também fere interesses pessoais, passíveis de indenização por danos materiais e mesmo morais tendo em vista o prejuízo subsidiário sofrido pela vítima individualmente considerada (MILARÉ, 2009). Daí a necessidade de se punir quem degrada o meio ambiente.

O Direito Ambiental está acima dos interesses individualistas, pois se funda na solidariedade, já que somente com a colaboração de todo ele será efetivado. Segundo BORGES (1998, p.20)

Nasce da valorização da pessoa humana neste final de Século XX, através da evolução dos direitos diante da ampliação da proteção de âmbitos de vivencia da pessoa humana, anteriormente não protegidos ou não privilegiados pelo direito. Não existe relação contratual previa que estabeleça tais direitos-deveres. São agora tidos como universais, fundamentais.


O Direito ao meio ambiente tem como princípios basilares o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental, o do acesso equitativo - que contem a noção de que o direito ao meio ambiente é intergeracional - prevenção e a precaução. Uma vez não cumpridos os últimos dois princípios, o caminho é a reparação. A fiscalização deve ser realizada por todos: coletividade e poder público, mas apenas este último detém o poder de polícia que permite punir, aplicação direta do princípio do controle do poluidor pelo poder público.

A lei de crimes ambientais teve papel importante em popularizar a proteção do meio ambiente na sociedade e suas penas buscam, na perspectiva ambiental, ter uma perspectiva educadora e conscientizadora, por isso as penas são baixas e a massiva maioria dos crimes vai para os juizados especiais. Mas a visão do Direito Penal é diferente a respeito da lei e, por isso, deve-se compreender os preceitos e princípios penalistas que se passa a analisar.

4. Direito Penal: Preceitos e Meio Ambiente
O Direito Penal, a partir da década de 20 do último século, experimentou uma significativa expansão. Estendeu-se sobre áreas de atividade humana resinificadas e outras criadas a partir do surgimento de novas tecnologias. Ações lesivas ao meio ambiente e à ordem econômica são exemplos do primeiro grupo. Ações lesivas à integridade do patrimônio genético humano é um exemplo do segundo. Interessa-nos o meio ambiente.

Ninguém duvida que o meio ambiente é um bem jurídico digno de tutela penal. Questionamos se todos os tipos penais, descritos na lei 9605/98, descrevem uma conduta grave o suficiente para reclamar uma resposta penal.

O legislador não possui poder de tipificar qualquer conduta. Limita-se pela consideração do bem jurídico, objeto da tutela penal. O bem que se pretende tutelar pela norma penal é uma importante referência que nos afasta do chamado Direito Penal do autor, aproximando-nos do desejado Direito Penal do fato[4]. O legislador não pode tipificar condutas que não lese um bem jurídico digno de tutela penal. São dignos de tutela penal, os bens jurídicos de maior relevo. A questão é a referência que nos permite mensurar essa importância.

O norte que nos permite identificar o bem jurídico que merece a tutela penal só pode ser encontrado na Constituição da República[5]. Assim, é a Constituição que serve de guia para identificar os bens jurídicos dignos de tutela penal e, com isso, limitar o poder do legislador de tipificar ações ou omissões[6].

Há interessante debate acerca do papel desempenhado pela Constituição na tarefa de limitar o legislador ordinário em sua função de prever crimes e cominar penas. Uns sustentam que a Constituição estabelece uma referência, uma axiologia constitucional a que se deve conformar os tipos penais. Um tipo penal deve tutelar um bem ou valor que tenha envergadura constitucional a ponto de legitimar a intervenção penal[7].

Outros autores sustentam que o legislador somente pode criar crimes e cominar penas quando expressamente autorizados pela Constituição da República. Estamos tratando das teorias constitucionais estritas[8].

O debate, noticiado nos dois últimos parágrafos, perde o sentido quando tratamos da tutela penal do meio ambiente. Isso porque a Constituição da República estabelece um comando explícito de incriminação quando trata da tutela do meio ambiente. O art. 225, §3o da Constituição da República assim dispõe:

As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados (MEDAUAR, 2015, p.50)

Portanto, não há dúvidas de que o meio ambiente é um bem jurídico digno de tutela penal[9]. Isso não significa que o legislador deva tornar crime toda a conduta que exponha a perigo ou lese o meio ambiente. O legislador, no ato de tipificar uma ação ou omissão, deve restringir-se às mais significativas. As demais ficariam a cargo do direito administrativo[10].

A questão é estabelecer uma fronteira que vá indicar quando o ilícito administrativo merece ser tipificado. Trata-se de uma avaliação da ofensividade das condutas típicas, consideradas em abstrato. Essa análise não exclui a verificação da tipicidade material que se dá no plano concreto.

O ato de tipificar uma ação ou omissão, definindo os contornos do ilícito penal, é das funções mais relevantes do legislador ordinário porque impacta diretamente no direito à liberdade e dignidade do indivíduo. Stuart Mill (2014) já trazia notícias sobre a possibilidade de se limitar o poder da maioria no parlamento. Ele estava interessado em discutir um critério que legitimasse a intervenção da maioria sob os direitos individuais. Ele concluiu que o ser humano só pode sofrer uma restrição a seus direitos individuais, se praticar uma conduta que gere dano[11]. A reflexão de Stuart Mill nunca foi tão atual.

O Direito Penal traz como consequência a restrição da liberdade. Mais do que isso, impõe uma mácula na honra e memória de um indivíduo. Não é sem sentido que a revisão criminal não encontra limites nem na morte daquele que foi injustamente condenado. O Estado somente pode prometer uma pena restritiva de liberdade àquele que pratica uma ação ou omissão especialmente lesiva a um bem jurídico penalmente tutelado.

A resposta penal deveria se restringir às ações ou omissões que causem uma lesão ou perigo de lesão mais significativa ao meio ambiente. As demais ficariam a cargo do direito administrativo. O ponto central é o estabelecimento de um critério que nos permita, ainda no plano abstrato, fazer essa mensuração.

O princípio da legalidade em matéria penal não deve ser entendido somente em seu aspecto formal. Não se restringe a tornar certa e segura a previsão da conduta proibida. Nem tão pouco tornar segura a aplicação da lei penal. A legalidade, em matéria penal, tem também um aspecto material que consiste limitar o legislador no ato de tipificar condutas, impedindo o desenvolvimento de uma política criminal arbitrária.

O legislador presta homenagens ao princípio da legalidade, em seu aspecto material, limitando-se a tipificar as condutas significativamente mais lesivas à um bem jurídico digno de proteção penal. Assim procedendo, também se presta deferência ao princípio da proporcionalidade. Somente as condutas mais lesivas podem gerar como consequência a restrição do direito à liberdade.

Também não se despreza o fato de que somente a existência de um processo criminal já é capaz de subtrair do indivíduo a paz de espírito e a sua dignidade. O direito e o processo criminal são dois dos mais relevantes e intensos instrumentos de que dispõe o Estado para intervir na esfera de individualidade do cidadão.

Para o Direito Penal a proteção do meio ambiente é complexa, se levamos em consideração que este é um exemplo de bem jurídico metaindividual. Não encontram como sujeito passivo um indivíduo ou grupo identificável de indivíduo. São bens jurídicos extremamente normatizados[12], ao contrário dos bens jurídicos individuais, próprios de um Direito Penal clássico.

O art. 49 da Lei 9.605/96 é um exemplo de tipo penal que não possui lesividade suficiente para merecer uma resposta penal. Vejamos:

Destruir, danificar, lesar ou maltratar, por qualquer modo ou meio, plantas de ornamentação de logradouros públicos ou em propriedade privada alheia: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente. Parágrafo único. No crime culposo, a pena é de um a seis meses, ou multa. (MEDAUAR, 2015, p.532)

O art. 49, parágrafo único da Lei 9.605/98 evidentemente não se encaixa em um modelo de bem jurídico antropocêntrico. Trata, claramente, de uma lesão insignificante ao meio ambiente que não possui qualquer reflexo na qualidade de vida do ser humano. Por isso, não possui legitimidade constitucional.

Um critério capaz de cumprir nossa finalidade atuará em três frentes distintas, mas complementária. A primeira dirige-se ao legislador, instruindo-o sobre a seleção que deve realizar no ato de tipificar os ilícitos administrativos. A segunda dirige-se mais uma vez ao legislador que deve, no ato de tipificar, observar o princípio da ofensividade. Por fim, a terceira dirige-se ao interprete que, considerando o caso concreto, deve avaliar a tipicidade material.

O meio ambiente é um bem jurídico digno de tutela penal. Quando a isso não paira qualquer dúvida. Essa tutela, todavia, deve se dar a partir dos princípios e das regras, próprias do Direito Penal. É claro que o Direito Penal deve ser relido para atender às novas demandas. Todavia, não pode fazê-lo sem deixar de ter em mente que o ser humano é a medida de sua atuação. Esse é o maior legado do Direito Penal iluminista que se mostra perfeitamente compatível com a tutela de bens metaindividuais, desde que analisados a partir de uma concepção antropocêntrica.

 

5 A Lei 9605/98 e o Direito Penal
A expansão do Direito Penal sob a matéria ambiental tem sido realizada de forma irracional[13]. O Direito Penal acaba tipificando condutas que são originalmente uma infração administrativa. Não estamos sustentando que o ilícito penal não possa coincidir com o administrativo. Todavia, devemos obedecer a um critério de proporcionalidade no ato de tipificar os ilícitos administrativos. Do contrário, a disciplina penal do meio ambiente perde a coerência e, via de consequência, seu potencial de proteção.

O artigo 49, § único da Lei 9.605/98 é um claro exemplo disso. Pune-se o dano ambiental culposo à planta de ornamentação pública ou privada. Assim dispõe o artigo de lei:

Destruir, danificar, lesar ou maltratar, por qualquer modo ou meio, plantas de ornamentação de logradouros públicos ou em propriedade privada alheia: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente. Parágrafo único. No crime culposo, a pena é de um a seis meses, ou multa. (MEDAUAR, 2015, p.533)

Significa dizer que comete crime ambiental o indivíduo que, por descuido, tropeça na begônia que enfeita a porta de seu vizinho. Estamos diante de um evidente exagero. A conduta tipificada, de plano, mostra-se indigna de uma resposta penal.

Há outros tipos penais que se evidenciam extremamente amplos. Tornam típica uma infração administrativa que pode ganhar os mais diversos contornos no caso concreto. Pode variar de uma gravidade mínima a mais severa. O art. 29 da Lei 9.605/98 é um exemplo disso:

Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida: Pena - detenção de seis meses a um ano, e multa. § 1º Incorre nas mesmas penas: [...] III - quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente. (MEDAUAR, 2015, p.520)

Esse tipo incide sobre a ação deum traficante de animais que possui, em cativeiro, uma infinidade de espécimes da fauna silvestres e sobre a conduta de um indivíduo que possui, em sua residência, dois papagaios sem a licença dos órgãos competentes. Obviamente não estamos sustentando que seja lícito ter animais silvestres sem licença do órgão competente, mesmo que somente dois papagaios. O que afirmamos é que esse último ilícito restringe-se à esfera administrativa não alcançando uma mínima potencialidade lesiva capaz de fazer o autor da ação um indivíduo merecedor de uma resposta penal.

Aquele que transporta uma infinidade de pássaros silvestre de forma cruel e desumana está sujeito aos mesmos limites mínimos e máximos de pena reservados àquele que possui, sem licença, duas tartarugas, da espécime tigre d’água, em sua residência. Melhor seria, mesmo sabendo da possibilidade de tratar a matéria pela via da tipicidade material, que o tipo fosse restrito às condutas significativamente mais lesivas ao meio ambiente. Isso permitira que o legislador previsse penas criminais mais severas às condutas proporcionalmente mais lesivas.

A realidade fática pode nos trazer as mais variáveis e impensáveis situações. Para isso, devemos ter em mente a possibilidade de considerar, em matéria de crime ambiental, o princípio da insignificância. Mesmo que tenhamos a previsão de uma conduta típica especialmente lesiva, ainda assim, no caso concreto, é possível que a ação ou omissão praticada não se revele significativamente lesiva ao meio ambiente. Para essas hipóteses, a consideração da tipicidade material pode nos oferecer uma importante fronteira entre o ilícito penal e o administrativo.

Resta-nos estabelecer um critério que norteie a distinção, em abstrato e no caso concreto, do ilícito penal e administrativo.

Há autores, como Prado (2003) que sustentam não haver uma fronteira entre o ilícito administrativo e criminal. Nesta perspectiva, o ato de tipificar um ilícito administrativo seria mera escolha de política criminal que tem como finalidade a obtenção de maior eficácia social do comando proibitivo[14].

Parece-nos que a fronteira entre o ilícito administrativo e o penal é uma exigência do princípio da legalidade, proporcionalidade e dignidade da pessoa humana.

Se um indivíduo, imprudentemente, tropeça na begônia que ornamenta a entrada do apartamento de seu vizinho, vindo a danificá-la, comete crime ambiental. A previsão desta conduta como criminosa é claramente desproporcional. Deveria ficar restrita ao direito administrativo ou nem isso.

Há tipos penais que, de tão amplos, englobam em sua estrutura formal, desde as condutas mais lesivas até as mais insignificantes. É claro que essa hipótese poderia ser contornada pela aplicação do princípio da insignificância. Melhor seria que o tipo formal já se restringisse às condutas significativamente mais lesivas. O art. 54 da Lei 9605/98 é um claro exemplo desta hipótese:

Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora: [...] Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. (MEDAUAR, 2015, p.)

Cabe neste tipo penal desde a conduta de ascender um cigarro perto de outro indivíduo até lançar litros e litros de óleo na Baía de Guanabara. Claro que paira sobre este tipo a dúvida sob sua constitucionalidade. Trata-se de uma tipificação ampla que afronta o princípio da taxatividade, corolário da legalidade. Todavia, a tônica de nossa análise, neste momento, é outra. O art. 54 da Lei 9.605/98 incide sobre uma gama tão grande de condutas lesivas ao meio ambiente que abarca desde as mais significativas até as mais insignificantes.

Podemos dizer o mesmo do disposto no art. 29, inciso III da Lei 9.605/98. Vejamos sua estrutura típica:

Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:
Pena - detenção de seis meses a um ano, e multa.[...]
III - quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente. (negritamos) (MEDAUAR, 2015, p.540).


O art. 29, inciso III da Lei 9.605/98 incide sobre a conduta de um traficante de animais que tem, em depósito, 200 micos-leões dourados e a conduta de uma senhora que possui, em sua residência, dois papagaios. Ambos sem licença dos órgãos competentes.

A fronteira entre o Direito Administrativo e Penal bem poderia ser delineada pela aplicação da concepção antropocêntrica de bem jurídico. Significa dizer: a conduta lesiva ao meio ambiente só teria legitimidade para merecer uma resposta penal quando expusesse a perigo ou lesasse, de tal forma, o meio ambiente que afetasse, em alguma medida, o ser humano.

A concepção antropocêntrica de bem jurídico, em matéria de bens jurídicos metaindividuais, aproxima o Direito Penal de seu ideal iluminista, dando racionalidade a sua expansão.

A adoção de uma concepção antropocêntrica de bem jurídico penalmente tutelado, tendo em vista o princípio da fragmentariedade, não é incompatível com a perspectiva ecocêntrica da tutela jurídica do meio ambiente[15]. Podemos centrar a tutela jurídica no próprio meio ambiente, sem referência ao ser humano. Isso não nos impede de exigir que a lesão ou perigo de lesão ao meio ambiente tenha, em alguma medida, um reflexo no indivíduo para que se possa tipificar uma ação ou omissão que lese ou exponha a perigo de lesão o meio ambiente.

Isso não significa que a ação não possa ser tratada na ceara do Direito Administrativo. Caso um indivíduo mate ou apreenda todos os sapos da uma determinada região, causará um desequilíbrio com possíveis reflexos à qualidade de vida do ser humano. Haverá uma proliferação de moscas com evidente risco à saúde humana. As cobras, não tendo alimentos em seu ambiente, irão para áreas habitadas pelo ser humano com graves riscos de acidentes.

Não podemos encontrar o mesmo reflexo à saúde humana na conduta de um indivíduo que tem, em cativeiro, dois papagaios ou duas tartarugas tigre d’água. É claro que não advogamos a licitude da conduta daquele que, tem em cativeiro, aninais da fauna silvestre sem a devida licença, o que afirmamos é que esta conduta não deveria ser típica. A ilicitude deveria ficar restrita a esfera administrativa.

Mesmo se estivéssemos tratando de uma legislação penal que se restringisse a tipificar as condutas significativamente mais lesivas ao meio ambiente, tendo em vista uma perspectiva antropocêntrica de bem jurídico penalmente tutelado, ainda assim, haveria a necessidade de analisar a lesividade da conduta praticada no caso concreto. O princípio da insignificância seria a última trincheira para se fixar a fronteira entre o Direito Penal e o Administrativo.

O princípio da insignificância permite retirar da incidência do Direito Penal condutas que, em abstrato, são significativas, todavia, em concreto, mostram-se insignificante o suficiente para fazer com que seu autor mereça uma resposta penal[16].

O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a aplicação do princípio da insignificância em sede de crimes ambientais. O Habeas Corpus, registrado na Suprema Corte sob o número 112.563/SC, aplicou o princípio da insignificância a um indivíduo que foi processado pelo crime de pesca não autorizada (art. 34 da Lei 9.605/98). O paciente teria pescado 12 camarões com redes fora das especificações da Portaria 84/2002 do IBAMA.

Merece registro o voto do Ministro Ricardo Lewandowski que opinou contrariamente a aplicação do princípio da insignificância em matéria de crime ambiental. O Supremo Tribunal Federal, realizando uma verdadeira salada dos elementos do conceito analítico de crime, entende que o princípio da insignificância somente pode ser aplicado quando presentes os seguintes requisitos: conduta minimamente ofensiva, ausência de perigosidade social da ação,em uma clara confusão entre reprovabilidade da ação e do indivíduo, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e lesão jurídica inexpressiva. Vejamos:

Com efeito, para a configuração do delito de bagatela, conforme têm entendido as duas Turmas deste Tribunal, exige-se a satisfação, de forma concomitante, de certos requisitos, quais sejam, a conduta minimamente ofensiva, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a lesão jurídica inexpressiva”.

A partir dos critérios necessários para a verificação do princípio da insignificância, entende o voto vencido do Ministro Ricardo Lewandowski que o princípio da bagatela é inaplicável aos crimes que tutelam bens jurídicos intangíveis como o meio ambiente. Vejamos:

Nesse contexto, o tipo penal acima descrito não tem como pressuposto a ocorrência de um prejuízo econômico objetivamente quantificável, mas a proteção de um bem intangível, que corresponde, exatamente, à proteção do meio ambiente.

O voto do Ministro Ricardo Lewandowski acaba contribuindo para o aprofundamento da confusão entre Direito Penal e Administrativo. Em um cenário de expansão do Direito Penal para atividades até então tratada exclusivamente pelo direito administrativo, a desconsideração do princípio da bagatela acaba restringindo garantias fundamentais na medida que subtrai um importante freio à ação punitiva do Estado.

É fundamental perceber que não há um Direito Penal ambiental. Reconhecemos a importância da tutela do meio ambiente. Todavia, não acreditamos ser possível construir uma política de preservação do meio ambiente com a supressão de garantias fundamentais tão caras ao indivíduo, como é o exemplo das garantias penais. RIBEIRO (2004, p. 144) posiciona-se contra a criação de um Direito Penal ambiental:

Não se pode, entretanto, admitir a criação de um código próprio versando sobre o meio ambiente, especialmente no que se refere a matéria penal. Porque, se assim fosse concebido, poder-se-ia estar criando um microssistema, separado do direito penal nuclear. Consequentemente, poder-se-ia ter um desrespeito, em nome da proteção penal eficaz, aos princípios fundamentais do direito penal”

Demonstrando a diferença de visão do Direito Penal e o Direito Ambiental sobre a base que sustenta a aplicação da Lei 9605/98.

 

6 Conclusão
A consideração antropocêntrica do bem jurídico metaindividual tem o condão de nos oferecer um norte para estabelecer uma fronteira entre o Direito Penal e o administrativo. O mais importante: trata-se de um critério de racionalização da expansão do Direito Penal, denunciada por Silva Sanchez(2001).

O presente artigo não advoga a redução da tutela penal do meio ambiente, mas sim sua racionalização que acabará, em última análise, contribuindo para uma melhor e mais eficiente tutela penal.

Não estamos sustentando que seja lícito maltratar uma planta de ornamentação pública ou privada. O que afirmamos é que não se trata de uma conduta que mereça a repreensão penal.

O conceito antropocêntrico de bem jurídico pode ainda nos levar a sugerir a restrição formal de tipos penais. Há determinados artigos que tratam de condutas lesivas ao meio ambiente de forma muito ampla. O art. 54 da Lei 9.605/98 é um claro exemplo.

Trata de “causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora.” (MEDAUAR, 2014, p.560) A mesma norma penal pode incidir sobre condutas drasticamente distintas: ascender um cigarro ou lançar toneladas de petróleo no oceano. Claro que a questão pode muito bem ser tratada pelo princípio da insignificância. Melhor seria se o tipo fosse formalmente restrito às condutas significativamente mais lesivas.

A conduta de um indivíduo que tem em depósito dois papagaios não pode ser comparada a conduta de um traficante de animais que transporta uma infindável quantidade de cobras de uma determinada região, causando grave desequilíbrio ambiental com reflexos na qualidade de vida do ser humano.

Quando se retira da incidência formal do tipo penal conduta de pouca ou baixa relevância, permite-se ao legislador penal prever penas criminais efetivamente condizentes com condutas realmente lesivas ao meio ambiente e, via de consequência, ao ser humano. O sistema punitivo torna-se mais racional, justo e eficaz..

Por fim, tratamos do princípio da insignificância em matéria de crimes ambientais. Mais uma vez, a concepção antropocêntrica do bem jurídico meta-individual nos serve de norte. Permite que desconsideremos a incidência formal da norma penal incriminadora para considerar materialmente atípica, condutas que até afetam o meio ambiente, mas sem atingir, em nenhuma medida, o ser humano.




REFERÊNCIAS

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SILVA SANCHEZ, Jesús-María. La Expansión del Derecho Penal: Aspectos de la Política Criminal enlas Sociedades Postindustriales. 2a Ed. Madrid: Ed. Civitas Ediciones. 2001 .

 

NOTAS
[*] Mestre e doutorando em Ciência Penais pela UFMG; professor de Direito e Processo Penal da Faculdade Dom Helder Câmara e advogado criminalista.
[**] Mestre em Direito Constitucional pela UFMG. Mestre em Direito Ambiental pela Universidad Internacional de Andalucía (Espanha). Doutora em Geografia pela UFMG em cotutela com a Université D’Avignon (França). Professora da Graduação e Professora Permanente Do Programa De Pós-Graduação Em Direito Da Escola Superior Dom Helder Câmara - Mestrado Em Direito Ambiental E Desenvolvimento Sustentável.
[1] Na concepção de Carvalho Netto de moderno .
[2] O princípio da precação significa que quando não houver certeza cientifica sobre se uma conduta é potencialmente causadora de dano, esta não deve ser realizada, para precaver um risco futuro.

[3] Vide art 225 da Constituição Federal de 1988.
[4]“Portanto, as referências à “conduta”, ao “resultado” e ao “bem jurídico”, são essenciais e constitutivas da norma primária, inexoravelmente. Teorizar a existência de normas referidas exclusivamente à “conduta”, como é característico da teoria finalista (Hans WELZEL, Armin KAUFMANN) é fundamentar o odioso “direito penal do autor”, próprio dos Estados totalitários, ainda que se defenda que o bem jurídico-penal ocupa posição da estrutura avaliativa da conduta, esvaziando-se assim o conceito de resultado.” (GONDIM. 2008. p. 244).
[5] A teorização do direito penal deve adotar sempre como premissa a principiologia penal-constitucional. Vejamos: “Do ponto de vista técnico-científico, bem como do ponto de vista político, é infinitamente mais digno e idôneo ao direito penal que a sua teoria geral seja o resultado de um procedimento “hipotético-dedutivista”, que tenha como premissa a principiologia penal-constitucional, atuando diretamente sobre o fenômeno normativo jurídico-penal ou obliquamente através da política criminal” (GODIM, 2008, p.232).
[6] As teorias constitucionais do bem jurídico – grandemente acolhida pela doutrina italiana – procuram formular critérios capazes de se impor de modo necessário ao legislador ordinário, limitando-o no momento de criar o ilícito penal. O conceito de bem jurídico deve ser inferido na Constituição, operando-se uma espécie de normatização de diretivas político-criminais” (PRADO, 2003, p.62)
[7] De modo similar, Rudolphi entende que os valores fundamentais devem ter referência constitucional e o legislador ordinário está obrigatoriamente vinculado à proteção de bens jurídicos prévios ao ordenamento penal, cujo conteúdo é determinado de conformidade com os citados valores. Adverte ele que o Estado de Direito é mais que um simples Estado de legalidade, só encontrando sua verdadeira legitimação na ideia de justiça material.” (PRADO, 2003, p.64).
[8] “De outro passo, as teorias constitucionais estritas, representadas por F. Bricola. E. Musco. F. Angioni, J.J. Gonzalez Rus e E. Gregori, orientam-se firmemente e em primeiro lugar pelo texto constitucional, em nível de prescrições específicas (explícitas ou não), a partir das quais se encontram os objetos de tutela e a forma pela qual deve se revestir, circunscrevendo dentro de margens mais precisas as atividades do legislador infraconstitucional” (PRADO,2003. p.65).
[9] “Desse modo, não se limita simplesmente a fazer uma declaração formal de tutela do ambiente, mas, na esteira da melhor doutrina e legislação internacionais, estabelece a imposição de medidas aos transgressores do mandamento constitucional. Assinala-se a necessidade de proteção jurídico-penal, com a obrigação ou mandato expresso de criminalização” (PRADO, 2009. 74).
[10] “O que não se pode tolerar é que toda e qualquer forma de atentado contra a integridade do patrimônio genético humano ou ambiental seja objeto de sanção penal, quando em muitos casos bastaria a intervenção do Direito Administrativo, que não apenas cumpriria com mais eficácia a função simbólica de traçar com clareza os limites entre o comportamento proibido e o permitido, como também poderia cominar para tais comportamentos sanções ou outras consequências jurídicas com possibilidades reais de aplicação” (CARVALHO. 2007. p.174).
[11] O objeto deste Ensaio é defender como indicado para orientar de forma absoluta as intervenções da sociedade no individual, um principio muito simples, quer para o caso do uso da força física sob a forma de penalidades legais, quer para o da coerção moral da opinião pública. Consiste esse princípio em que a única finalidade justificativa da interferência dos homens, individual e coletivamente, na liberdade de ação de outrem, é a auto proteção. O único propósito com o qual se legitima o exercício do poder sobre algum membro de uma comunidade civilizada contra a sua vontade, é impedir dano a outrem.” (MILL. 2014, p.33)
[12] Por lo que se refiere, primero, a los bienes jurídicos, su carácter normativizado (en el sentido de que su contenido se determina por referencia a normas) hace que las conductas que atenten contra ellos hayan de ser puesta en relación con las normas que establecen sus contenidos y que vienen a configurar unas determinadas condiciones para su existencia, y que los injustos típicos se correspondan con ataques a dichas condiciones.” (DOVAL PAIS, 1999, p.110)
[13] Não se quer dizer que não haja espaço para uma expansão do direito do direito penal. Ele existe. O que se sustenta é que esta expansão, quando necessária, deve se operar de forma racional. Isso porquenão estamos livres de manifestações irracionais de expansionismo penal. Sobre o assunto SILVA SANCHEZ :“Lo que interesa poner de relieve en este momento es tan sólo que seguramente existe un espacio de <expansión razonable> del Derecho penal. Aunque con la misma convicción próxima a la seguridad deba afirmarse que también se dan importantes manifestaciones de la <expansión irrazonable>.” (SILVA SANCHEZ. 2001. p.26)
[14] Assim sendo, posso concluir que a escolha pela qualificação de uma conduta como ilícito penal ou administrativo não é senão de política legislativa, tendo em vista, primordialmente, a busca de maior eficácia social.” (PRADO, 2003. p.95).
[15] Sobre a visão antropocêntrica absoluta, ecocêntrica e antropocêntrica relativa, conferir CARVALHO, 2007, p.108.
[16] O chamado princípio da insignificância (Geringfügirkeitsprinzip), na esteira da lição de ROXIN, é justamente o que permite, na maioria dos tipos legais, excluir desde logo danos de pouca importância: (...)”(GOMES, 2013, p.52)